domingo, 8 de julho de 2018

O retrato de Machado de Assis, os ataques a Fernandinho e o racismo no Brasil

A última foto pública de Machado de Assis me emocionou. Fotografias têm esse dom, transportam para lugares distantes e provocam reflexões. O homem de casaca e barba grisalha tinha 68 anos, mas parecia muito mais velho do que meu sogro, que está com 81. Ou seja, além de aumentar a expectativa de vida, os novos tempos deram mais jovialidade às pessoas da terceira idade.  

Estou numa fase de releitura de Machado de Assis. Perdão a todos os escritores, mas acho que nenhum brasileiro conseguiu escrever nada melhor nos últimos 110 anos. A respeito da foto, um dos dos alunos que tive orgulho de cruzar pelo caminho, Thiago Coelho, fez uma observação. Como passado tanto tempo, a questão da negritude de Machado continua a ser ignorada. 

Comecei a pensar em como essa situação permanece atual. Certa vez ouvi uma crítica de Paulo Cesar Caju sobre o fato de Pelé  nunca ter assumido posições políticas na defesa da igualdade. Em 2014, quando o goleiro Aranha sofreu injúria racial em Porto Alegre, o Rei chegou a criticar o jogador por ter dado publicidade ao fato. 

Perguntado sobre o racismo, em 2005, Ronaldo Fenômeno se classificou como branco. Em 2010, aos 18 anos, Neymar também negou a negritude. De fato, não sei se depois de tantos anos na Europa e com o amadurecimento provocado pela ação do tempo, ele continua a pensar assim. 

O fato é que nos séculos XX e XXI, com todas as conquistas e políticas afirmativas, figuras públicas brasileiras se sentem ou se sentiam desconfortáveis com a etnia a que pertencem. É possível pensar como era mais intensa essa negação por parte de Machado de Assis. 

É emblemático como Machado parecia se colocar fora da questão. Em Memorial de Aires, último livro do escritor, Machado se expressa pela boca do personagem sobre a assinatura da Lei Áurea: “Enfim, lei. Nunca fui, nem o cargo me consentia ser, propagandista da abolição”. Parece absurdo que um negro, que ocupava lugar de destaque na sociedade, se calasse publicamente sobre a indignidade da escravidão. 

Passados 110 anos da morte de Machado de Assis, os negros têm muito a conquistar quando o assunto é representatividade. A questão se mostra tão evidente, que todas as noites o Brasil é apresentado a esse problema. A novela das 21h da TV Globo mostra uma Salvador branca, com os personagens negros sendo apenas periféricos. 

Mas voltemos ao futebol. Continuo achando que o volante Fernandinho teve uma atuação muito ruim na eliminação do Brasil na Copa. No entanto, a fatura da derrota não pode ser debitada apenas de sua conta. Aliás, é impreciso individualizar derrotas em esportes coletivos. 

Fernandinho, bom jogador em dia infeliz, foi crucificado e sofreu ataques racistas nas redes sociais. Situação absurda que mostra que a sociedade brasileira precisa erradicar a prática hedionda do racismo. Barbosa, goleiro da Copa de 50, morreu frustrado por todos os ataques que recebeu nos 50 anos seguintes após a derrota para o Uruguai. Dentre os ataques havia o que negros não deveriam ser goleiros. Depois de Barbosa, só houve um goleiro negro titular em mundiais, Dida, em 2006. Ou seja, quatorze Copas depois. 

Pelé, Ronaldo e Neymar se colocaram fora da questão, tal qual fez Machado de Assis no século XIX. Essa negação da negritude de Machado de Assis tem a mesma matriz dos ataques a Fernandinho, das acusações a Barbosa e da pouca representatividade dos negros na mídia. O Brasil não acertou suas contas com o racismo. Pode até ganhar torneios como a Copa do Mundo, mas vai continuar levando goleadas enquanto país. 





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