sábado, 13 de julho de 2019

A bailarina e os pés machucados




Minha bailarina passou a semana com a unha machucada. E os pés das bailarinas são o que há de mais delicado em seus corpos. Para piorar, o machucado era no dedão. E ficar na “ponta” com o dedão arrebentado é sobre-humano. Por muito menos já matei aulas na academia. 

No dia anterior à apresentação tinha ensaio. Repetindo o discurso que provavelmente minha mãe faria a chamei para uma conversa: “você precisa se preservar. Não ensaie na “ponta”. Você precisa se poupar para o espetáculo”. Recebi de volta uma resposta mal-criada: “Não tem como, é o último dia antes da dança, tenho que passar na “ponta” de qualquer jeito”. 

Para quem não está acostumado, passar na “ponta” é literalmente dançar na ponta dos pés. As bailarinas compram sapatilhas que na ponta tem uma proteção que as permite ficar naquela posição linda, desafiadora e dolorosa. Colocar a ponta é um ritual de passagem para quem dança. No caso da minha bailarina, a professora foi junto, escolheu a sapatilha, a gente tirou foto, a professora chorou, o pai chorou, enfim, um melodrama ao som de Tchaikovsky. 

Chegamos ao dia da apresentação. Eis que na ribalta olho para a bailarina. Sei que ela está com o dedão estuporado. Mas quando ela sobe na ponta, o faz graciosamente. Ao vivo e nas fotos, é possível vê-la sorrindo. A olho nu, não há dor. Só conhecendo a alma da bailarina é possível detectar que ela está sentindo aquela dor. Mas o disfarce estava tão perfeito que me fez duvidar que ela estivesse sofrendo. Quando a bailarina desceu do palco, perguntei: “seu dedão melhorou”? A resposta foi curta: “nada, doeu pra cacete”. 

E lá se foi a bailarina para mais uma apresentação. Ela disfarçava a dor com um sorriso pleno e eu com orgulho pleno da bailarina. E a bailarina me ensinou a lição de que algo sempre está doendo. Tem hora em que dá para sentir a dor e parar, mas a vida é muito exigente e nesses momentos o jeito é sorrir e deixar a dor disfarçada. Pois a música pode passar e a bailarina perder o passo. Resta-me concluir e esperar que nossas dores sejam suportáveis, já que são inevitáveis. 

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