terça-feira, 16 de julho de 2019

Bafo-bafo no ponto de ônibus

Um menino de no máximo 10 anos estava sentado no banco do ponto de ônibus. As mãos estavam espalmadas para baixo. Minha impressão se confirmou, ele estava praticando bafo-bafo. Estiquei os olhos para saber quais eram as figurinhas. Apesar de ter havido uma Copa do Mundo, não vi a febre dos álbuns que aconteceu na Copa masculina. Olhei com cautela. Não queria assustar o menino. Afinal, o que um estranho adulto
Poderia conversar com ele aleatoriamente num ponto de ônibus. 

Pegamos o mesmo ônibus, por sinal. E ele brincava com aquele bolinho de figurinhas. Num momento ele simulava bafo-bafo. No outro ele parecia o croupier de um cassino a distribuir as cartas para uma rodada de poker. Mas as figurinhas pareciam abrir inúmeras possibilidades para aquele garoto. 

Como já escrevi, o menino tinha uns 10 anos e estava com uniforme de um escola pública. Chamou minha atenção o fato dele não estar com um celular. Em suas mãos estavam as figurinhas e com elas, ele brincava. 

Lembrei de mim com o mesmo uniforme há mais de 30 anos. Em vez de figurinhas simula Mn do um cassino eu fingia que era de uma família de feiticeiros. O meu poder era fazer com que os sinais de trânsito abrissem. Aprendi isso com minha irmã Lau e passei a praticar sozinho. 

Também apostava corridas com estranhos na rua. Só que havia um detalhe: eles não sabiam que estavam competindo comigo. Não computei, mas devo ter vencido centenas de corridas. Talvez tenha estabelecido algum recorde mundial de corridas secretas com adversários inconscientes. 

Enquanto viajava no meu passado, o garoto continuava a brincar com suas figurinhas. Algumas delas caíram no chão numa freada um pouco mais forte do ônibus. Essa foi a senha para que ele as recolhesse e guardasse na mochila. 

Um pouco antes do meu ponto o menino saltou. Reparei que ele estava com uma chuteira. O calçado estava meio sujo, com sinais acentuados de uso. Deduzi então que além das figurinhas, o menino se aventura a em campos de terra para bater uma bola. 

Ele saiu do ônibus e foi ficando para trás. O perdi de vista. Com reflexo do sol no vidro do ônibus me vi refletido. Mais velho, gordo e com roupas que não pareciam  o uniforme da escola municipal. Percebi que  perdi de vista o menino que fui. No entanto, ainda lembro de angústias e aflições. Afinal sou mais próximo daquele menino do que a casca pode supor. Mas ele tem uma grande vantagem: a perspectiva de uma estrada longeva. Que ele vença essa estrada e que nunca deixe para trás as figurinhas e o bafo-bafo. 

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