domingo, 7 de julho de 2019

Minhas alunas e a Copa do Mundo

Há 17 anos tenho contato direto com jovens. Se no começo tinha a idade relativamente próxima, hoje tenho mais do que o dobro do tempo de vida deles. E nesse caminho minha sala de aula se transformou. Ela ficou mais horizontal. Diria que se fosse um carro de fórmula 1, ela teria ficado mais arisca e desafiadora. 

Há mais de 10 anos deixo a escolha do tema do trabalho final por conta deles. Digo que o mercado de trabalho já vai lhes impor pautas, então quero que eles tenham o prazer de escolher sobre o que querem falar. 

Diria que já presenciei varias ondas de interesse. Com o dólar relativamente baixo, veio a onda de dicas para mochilão e intercâmbios. Teve também a onda das matérias sobre ONGs e iniciativas empreendedoras. 

Estou vivendo a onda do empoderamento das minorias. E neste semestre , especificamente, a pauta escolhida pela grande maioria foi a Copa do Mundo Feminina. Mesmo quem não falou exclusivamente dela, em algum momento tocou no assunto. E algo ainda mais diferente, grupos formados em sua totalidade por mulheres falou de Marta, Formiga, Cristiane e Cia. 

A pauta não era a esportiva de sempre, como táticas, preferências por algum jogador ou time. O que predominou foi a descoberta do futebol feminino em si. 

E por causa disso, as discussões ficaram muito mais profundas do que costumam ser os debates futebolísticos. E Marta emerge como a grande heroína dessa primavera do futebol feminino. A decisão de lutar pela igualdade na remuneração, seu batom e suas atitudes afirmativas foram alvo de discussões acaloradas. 

Curiosamente, a maior jogadora de futebol feminino de todos os tempos ganhou notoriedade nas novas gerações num momento em que estava distante de seu auge físico e técnico. Comparo a Copa de Marta em 2019 com a de Zico, em 1986, no México. O 10 e a 10 chegaram ao palco principal do futebol com problemas físicos e não puderam render tudo o que se esperava deles. 

E dentre as discussões levantadas, a que mais me despertou interesse foi a reivindicação de que narradoras, comentaristas mulheres e repórteres mulheres atuem nos jogos da seleção feminina. 

O futebol e, consequentemente, as transmissões esportivas, sempre foram dominadas pelos homens. No rádio do Rio, por exemplo, lembro das queridas Carla Matera e Camila Carelli cobrindo clubes. Na televisão, as mulheres conseguiram quebrar essa barreira da reportagem esportiva antes. Com medo de cometer injustiças e ser traído pela memória, mas me lembro da Izabela Scalabrini como precursora na TV Globo nos anos 1980. 

Comentaristas na TV, a primeira que me lembro é a Soninha, na ESPN no final dos anos 1990. A ex-jogadora Juliana Cabral também foi comentarista na Rádio Globo São Paulo. Então, é ótimo que Ana Thais Matos, Nádia Mauad e Milene Domingues estejam deixando as transmissões mais plurais. 

Já ouvi gente dizendo que não deve haver distinção de sexo e que o melhor narrador deve transmitir os jogos. Gostaria de estabelecer um paralelo com outra situação. Sempre me perguntam aquela falsa dicotomia: “é melhor dar o peixe, ou ensinar a pescar”?  Minha resposta não muda, em tese, no mundo ideal, é melhor ensinar a pescar. No entanto, a desigualdade é tão grande, que se a gente não der o peixe agora, o cara não vai estar vivo para aprender a pescar. 

Logo, no mundo ideal, com todo mundo partindo em igualdade de condições a pessoa com um desempenho profissional supostamente melhor deveria transmitir os jogos mais importantes. No entanto, a desigualdade de gênero ainda é tão grande, que segmentar as transmissões esportivas de futebol feminino com mulheres pode ser o melhor caminho para formar novas narradoras e comentaristas. 

É bom ressaltar que em outros esportes como vôlei e basquete as mulheres já ocupam postos de comentaristas, mas o comando das transmissões fica com os homens. Estamos em transformação e nenhuma mudança deixa de ser dolorosa, mesmo aquelas que são pretensamente para melhor. 

Apesar de acreditar que essa segmentação é importante no momento atual, não descarto que isso em vez de integrar o futebol feminino, o deixe como um produto exclusivamente feminino. Talvez valha a pena radicalizar agora e integrar quando for possível. Não tenho a resposta. A vida é inexata. Na verdade, nem tudo na vida é inexato. Dentre as coisas exatas da vida está o violão de João Gilberto. 

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