sábado, 6 de julho de 2019

João, o parnasiano da música


Sou um daqueles que já cometeram a blasfêmia de dizer que João Gilberto era chato. Sim, a voz anasalada e a emissão suave eram para mim sonolentas. Com Tom Jobim a identificação foi imediata, até porque, uma das músicas que me lembro da infância é Águas de Março. Vinicius de Moraes me veio por meio da Arca de Noé. Lembro de ouvir meu disco na vitrolinha laranja e decorar as canções. 

Com João Gilberto não teve jeito. Não tive a paixão arrebatadora desde o início. Devo minha conversão à religião joãogilbertiniana ao cineasta Gui Gonçalves. Talvez o próprio Gui não saiba disso ou mesmo não se lembre da ocasião. Era janeiro de1995. Pouco mais de um mês antes, Tom Jobim havia morrido e deixado um buraco do tamanho do mundo na música. Eu fazia um frila na produção de um vídeo institucional. O Gui era o diretor e após as gravações a equipe saía para jantar, planejar o dia seguinte e o principal, pelo menos para mim, conversar sobre todos os assuntos. Numa dessas resenhas (para usar um termo da moda), eu proferi a frase “João Gilberto é chato”. Foi então que o Gui olhou para mim com compaixão e traduziu para aquele jovem de 23 anos o que representava João Gilberto. 

Gui foi didático, me explicou a cadência do violão do João Gilberto e como em algum lugar a voz e o instrumento se encontravam na alquimia do intérprete. Justiça seja feita ao meu irmão David. Ele já tinha tentado me explicar isso, mas sabe como é, santo de casa não faz milagre. Então, há um quarto de século sou convertido. 

Entendi que João Gilberto é gênio. Tudo que eu falar dele já foi dito com propriedade por alguém que entende mais do que eu de bossa nova, harmonia, melodia, violão e banquinho. A música dele é um estado de espírito. Ele foi parnasiano. Procurou a excelência e a precisão no canto e na destreza com o instrumento. Mostrou que menos é mais e sim, foi arrebatador, mas sem fazer alarde e sem histrionismo. Deu ao violão status de orquestra. Isso é para poucos, na verdade, é para um só.

Já andei muito pela noite, conheci pessoas interessantes, famosas e excêntricas. Mas lamento nunca ter encontrado João Gilberto. Já ouvi muitas lendas sobre ele. Sua excentricidade circula nas rodas musicais. Aliás, aos gênios é permitida a excentricidade

João se tornava “co-autor” de todas as musicas que interpretava. Impossível dissociar dele Desafinado e Chega de Saudade. Mas a minha preferida é Caminhos Cruzados, que encerra essa singela e pequena homenagem a João que inspirou meus ídolos, Caetano. Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil, Chico Buarque, Novos Baianos e tantos outros. 


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