sábado, 27 de julho de 2019

Meu pai e a estrada de luz no céu de Teresópolis

Estava no retão de Teresópolis em direção à saída da cidade. Os termômetros fora do carro marcavam 8 graus. Acabara de sair de uma festa julina em que revi pessoas queridas. O frio era tal, que ao falar, saía fumaça de minha boca. 

Era quase meia-noite. Olhei para os postes e de repente vi uma estrada iluminada que parecia um caminho celeste. Lembrei de meu pai. E a lembrança veio por causa da data. Como disse, era quase meia-noite e quando o relógio marcasse a mudança de dia, estaria  marcado também o vigésimo segundo aniversário da morte de meu pai. 

 Não foi uma construção de mau gosto. Juntei aniversário e morte na mesma frase para desafiar a semântica. Desde que meu pai se foi, desafio a dor. Desafiar a semântica é apenas mais uma coisa a qual me proponho enfrentar. 

Alguns dias antes tinha comentado com minha mulher que sonhara com meu pai. Acordei preocupado com algo que deveria resolver com ele. No entanto, não há nada a resolver com ele neste plano. Preciso apenas solucionar a saudade e a ilusão que ela causa em alguns momentos. 

Em um dos 450 textos deste blog devo ter dito que não consegui me despedir de meu pai. Estava fazendo uma reportagem, o carro da rádio me levou até em casa e quando cheguei, meu pai já tinha partido, logo, não houve despedida. 

Naquela mesma noite sonhei com ele. Meu pai aparecia sorrindo, eu tomei um susto, tentei entabular uma conversa , disse: “ah, você não morreu, está apenas dormindo”, mas no sonho, meu pai apenas sorria. 

Aliás, não converso com meu pai em sonho. Tenho sempre algo a lhe contar, mas sempre acordo antes de ter qualquer diálogo com ele. Psicólogos de plantão dirão que tenho o sonho recorrente porque não estava lá na hora da partida dele. 

Meu pai morreu no meio do ano. No mesmo 1997, ganhei de um chefe no fim do ano uma agenda para 98. É, antes de haver bloco de notas em celulares, ou aplicativos e redes sociais para informar compromissos e aniversários, havia uma agenda de papel.  Voltando ao presente, quando o abri, o marcador de páginas estava em 28 de julho. Eram 365 dias para ela marcar, mas estava justamente parada no dia da morte de meu pai. Entendi a coincidência como mais uma forma que meu pai arrumara para se despedir de mim. 




Pode realmente ser tudo uma grande coincidência. Deve até existir alguma fórmula matemática para definir as probabilidades de uma agenda fechada marcar o dia 28 de julho, o 209º dia do ano (210° em anos bissextos), mas eu prefiro acreditar que meu pai vai deixando pequenas pistas para ir se despedindo de mim. 

Por isso, ao olhar o desenho da iluminação dos postes na noite de Teresópolis, como se fosse uma estrada de luz a ser trilhada no céu, preferi acreditar que era meu pai acenando novamente para mim. 

Mas sempre haverá o cético, que dirá que postes são postes, luzes são luzes e que depois da morte restam duas opções: sete palmos abaixo da terra ou forno a mil graus. Como disse, prefiro acreditar que meu pai vai me dizendo adeus aos poucos, deixando pistas por aí, como fazia quando queria que achasse meus presentes em aniversários e Natais. Pai, te amo. A dor tem 22 anos, mas dor não completa maioridade, ela se mede no silêncio das vozes, na falta do toque e na ausência do abraço protetor. 

2 comentários: