sábado, 23 de junho de 2018

O choro de Neymar e a chuteira de Philipe Coutinho

Sou um chorão juramentado. Choro com apresentação de balé da minha filha, choro com trechos de livro, choro com textos que escrevo e choro com fim de novela. Choro, choro e choro. Ponto. 

Do alto de minha experiência lacrimejante, acredito completamente no choro de Neymar. Ando divorciado dos ídolos globais. Alimento ranço pelo Fenômeno, por exemplo, mas reconheço em superação atlética na Copa de 2002, uma epopeia admirável. Então, o pouco apreço pelas “pessoas jurídicas” desses jogadores não impede o reconhecimento de suas qualidades. 

Quem chorou no gramado de São Petersburgo foi  a “pessoa física”. Alguém agraciado por um talento raro. Sim, um cara que tem o mundo aos seus pés, mas que tem as aflições emocionais que qualquer pessoa tem. Se Neymar não acreditasse no que as pessoas  falam sobre seu talento, não estaria onde está. A questão é que de onde o olhamos, destituímos o humano e queremos o super herói. E amigos, Neymar é um rapaz de 26 anos, que leva o peso de um país nas costas. 

O choro de Neymar me assustou. Espero honestamente que ele não venha a sucumbir às armadilhas que seu talento, seu “celebrismo” e nós, o público, o colocamos. Em outros setores, vemos o quão eficaz  essa “máquina de moer gente” é. Michael Jackson e Amy Winehouse são exemplos extremos. 

Se o choro no gramado de São Petersburgo foi da “pessoa física”, o post de depois do jogo foi da “pessoa jurídica”, publicado pela 9ª maior celebridade do mundo nas redes sociais. Na publicação, Neymar dá a entender que tem inimigos, “falar até papagaio fala, mas fazer, poucos fazem”. Parece-me um inimigo amorfo, sem cara e sem nome. Inimigo que pode ser criado como estratégia para o jogo de  “pequeno príncipe heroico” X “Vilão Malvado que quer acabar com a felicidade do reino”. 

O fato é que Neymar é um jogador excelente, no qual se deposita uma expectativa de ser a recuperação da hegemonia brasileira no futebol mundial. Vejo nele, alguns traços parecidos com os de Rubens Barrichelo. Piloto excelente, em que mídia, torcida e ele próprio colocaram a pressão de ser o novo Ayrton Senna. Talvez se quisesse ser apenas o Barrichelo, teria sido campeão mundial e não viraria um personagem caricato das redes sociais. 

Enquanto as pessoas “física” e “jurídica” de Neymar travam um duelo, Philippe Coutinho vai resolvendo. Dois gols e duas escolhas como melhor jogador em campo. Os olhos já se voltam para ele. Espero que o jogador não entre no espiral midiático do camisa 10. O atleta, cria das divisões de base do Vasco, também é estrela no mundo da bola, mas não tem a dimensão do ex-santista. 

No entanto, algo me preocupou. O fora de série Tino Marcos fez a reportagem sobre o jogo do Brasil. Na “passagem”, aquela parte em que o repórter aparece com o microfone, ele segurava a chuteira de Philippe Coutinho. Não sei como o jornalista conseguiu a chuteira, mas fico pensando se outros jornalistas brasileiros credenciados para a Copa teriam acesso ao calçado do camisa 11 brasileiro. Acho que não. A chuteira de Philippe na mão de Tino Marcos me lembrou Fátima Bernardes no ônibus dos jogadores na campanha do penta. 

Reforçou em mim a constatação que a seleção brasileira tem outros “donos”, que não a CBF.  A chuteira de Coutinho na mão do repórter e o contrato que Neymar e a TV Globo tiveram durante um tempo mostram que o “sistema” pega os jogadores “pelo pé” e “pelo bolso”. 

A explosão de choro em Neymar tem um pouco de uma sensação, até inconsciente, que alguém é dono do seu destino. Ele foi capturado pelo bolso e pelo pé. Nessa situação, à alma, só resta chorar. 

Um comentário:

  1. Sensacional o texto!
    Amei, compartilhei e agora vou seguir suas análises!!
    Parabéns pela lucidez!!!

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