domingo, 3 de junho de 2018

Paula Toller e a máquina dos sonhos

O canal Curta! é um dos mais interessantes da TV a cabo. Nele assisti ao programa Nas Nuvens, apresentado pelo produtor musical Liminha, espécie de “quinto beatle” do Rock Brasil. Ele trabalhou com quase todas as bandas que estouraram nos anos 80, na esteira do primeiro Rock’N Rio. 

O nome do programa é igual ao do estúdio montado por ele e que se tornou o “Abbey Road” tupiniquim. No programa que vi, a entrevistada foi Paula Toller, musa do movimento, que tinha entre seus fãs ninguém menos do que Ruben Braga e Chico Buarque. 

Paula Toller talvez seja a cantora mais importante do Rock Brasil, nos anos 1980. Aliás, vou reformular, Paula era a única mulher no exclusivo clube do Bolinha das bandas de Rock. Fernanda Abreu e Márcia Bulcão faziam backing vocal na Blitz, mas o protagonismo era de Evandro Mesquita. Calma, Rita Lee é anterior e fundamental. Estou falando de Rock Brasil. 

O Kid Abelha era uma fábrica de hits. Se você for enfileirar os sucessos, preencheria umas 10 páginas de texto. A conversa entre Liminha e ela foi fascinante para quem gosta de música. Paula fala detalhes de seu processo de composição. Ela conta, por exemplo, que Fixação nasceu de sua observação sobre o homem que tentou matar Ronald Reagan porque era apaixonado por Jodie Foster. Em outra passagem, Paula diz que na época em que escreveu a letra de Garotos, achou que tinha exagerado e sido agressiva, mas hoje considera a música feminista. 

Lembrei muito de Paula Toller lendo o jornal de hoje, mais especificamente a reportagem de Sérgio Matsura na seção de Sociedade. Cientistas americanos inventaram uma máquina de controlar os sonhos. Em linhas gerais, a máquina é um robô que monitora o sono e faz perguntas ao paciente para que ele responda enquanto estiver naquela fase inicial do sono. Para evitar que as ideias se percam, as respostas são gravadas. 

A nova máquina poderia acabar com a angústia de Paula Toller descrita na música Espião: “ Ver você dormir, me corta o coração, o teu sorriso é sonho ou traição. O que você sonhou, eu nunca vou saber, me dá uma pista que eu possa percorrer”. A nova máquina pode ser um perigo para parceiros que não preconizam a fidelidade em seus relacionamentos. 

Na verdade, a brincadeira esconde algo de ruim nossos tempos. O sono é quase um elemento transgressor em nossos dias, como diz o escritor americano Jonathan Crary. Ao explorar essa última fronteira, você consegue o controle absoluto de corações e mentes. 

Num futuro mais próximo do que os filmes de ficção poderiam supor, máquinas como essas podem criar coisas como “índice de produtividade durante o sono”. Quantos problemas você consegue resolver enquanto dorme? Descobrir se o/a parceiro(a) traiu pode ser o menor dos problemas que a máquina de controlar sonhos pode desencadear. 

Não sou alguém avesso às novas tecnologias, mas elas abriram a bolsa de Pandora há muito tempo. O homem tem objetivos monitorados desde a hora em que acorda, até a hora de dormir. Com essa máquina, o monitoramento se espalha para um lugar até então inexpugnável. 

Uma palavra que me irrita no mundo corporativo é usar  “desligamento” em vez de demissão. Acho que além de pernóstico, é  a transformação do homem em equipamento. Pois bem, uma máquina que monitora os sonhos torna realidade a metáfora 

E nessa sociedade 24X7, para usar o título do livro de Crary, até sonhar pode passar a ter custo. Enquanto isso não acontece, vou continuar ouvindo Paula Toller. Aliás, adoro essa dobradinha dela com Chico Buarque na música Dueto.  

6 comentários:

  1. O rock dos anos 80 teve uma outra cantora bem popular que foi Marina Lima, mas realmente Paula Toller era mais "da galera". Marina se fechava mais com Lobão e Cazuza.

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    1. Claudio, vc tem razão em destacar a importância da Marina. Mas a Paula era a vocalista num mundo de homens do Rock Brasil. A Marina era mais uma renovação da MPB. Mas a Marina era sensacional, mas ela está mais na linha de sucessão das grandes cantoras do que na de vocalistas de Rock.

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    2. Marina no rol das grandes cantores?? Explica isso ai, que ficou puxado!!

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    3. Enquanto teve voz. Rs. Ela tinha uma voz característica e as músicas eram boas.

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  2. Pensava que a letra de Garotos era do Leoni. Também sou fã deles!

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  3. Nos anos '80 tinha a Virginie da banda Metrô, dos sucessos "Tudo pode mudar", "Beat acelerado", "Sândalo de dandi", "Johnny love" e "Ti-ti-ti" tema de abertura da primeira versão da novela de mesmo nome. E tinha, também, a banda Sempre Livre, formada só por garotas, com a Dulce Quental nos vocais, dos hits "Eu sou free" e "Esse seu jeito sexy de ser" A Paula Toller é, de fato, a mais conhecida mas não única a fazer sucesso na época.

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