domingo, 30 de dezembro de 2018

Reagir, caminhar e voar

Revendo um filme antigo percebi uma boa metáfora para o ano que está terminando. Um grupo de homens crucificados começa a cantarolar uma musiquinha em que se diz algo como “devemos ver o lado bom da vida”. A cena está em A Vida de Brian, filme do grupo inglês Monty Python, de 1979. 

O ano que chega ao fim nos trouxe até aqui. A oferta da cruz parece ser a mais latente. Mas o riso faz com que a gente consiga cantar na hora da crucificação. Afinal, de um jeito ou de outro, fatos como continuar respirando, arrumar tretas nas redes sociais e receber boletos para pagar mostram que ainda estamos por aqui. Levando no lombo, com o prego nas mãos, mas vivos. 

Mandei os cumprimentos de Natal para uma querida amiga e ela me respondeu: “Que bom te ver vivo”. Não é pouco estar vivo. De quando em vez falo do meu infarto. Talvez escrever sobre o assunto de forma jocosa ou dramática nada mais seja do que  a tentativa de desentupir as artérias e impedir outros eventos cardíacos. Tanto quanto as artérias que irrigam o coração, quero deixar o fluxo livre nas artérias que irrigam a alma. 

Viver não é se conformar com o “pelo menos”, é antes de tudo saber a hora do mergulho e a hora de ficar no barco. Entender as brigas que valem a pena brigar e aquelas que o silêncio nos faz vencedores. 

De um outro querido amigo ouvi: “coragem para os novos tempos”. Coragem é fundamental em todos os tempos. A palavra da vez para mim é resiliência. É não deixar que a desesperança faça morada na minha rotina. 

A vida é paradoxal. Exige de nós raizes profundas para erguer uma árvore frondosa, no entanto, a existência requer asas fortes. Então seremos árvores com asas a voar por aí precisando ser ao mesmo tempo raiz e ave migratória. 

Ninguém falou que ia ser fácil. Nunca é. Os anos passam cada vez mais velozes. E como disse outro amigo, temos uma relação volúvel com eles. Começamos idílicos durante o verão, esfriamos paulatinamente no outono e no inverno. Apesar das flores nascendo, a primavera marca a saturação do nosso relacionamento com o ano. Quando volta o verão, reacendemos a chama para a virada no calendário. 


Sempre teremos a opção de cantarolar pregados na cruz e procurando enxergar o lado bom da vida. Que as cruzes do caminho, mais do que mortes, representem recomeços. Que as dores sejam do tamanho que a gente aguentar. E que as alegrias sejam intensas, mas que não tenham o poder de nos iludir. Pois enquanto há vida, há luta, a tristeza nos dá a perspectiva da alegria e o medo, inevitável, tem a nobre missão de nos lembrar como devemos ser fortes para reagir, para caminhar e para voar. 

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