quinta-feira, 18 de abril de 2019

As estátuas de pedra do Rio



Toda vez que olho esse morro penso que ele parece  perfil da cabeça de um elefante que se ergue por trás dos prédios. Minha tia Nelly olha para o maciço da Tijuca e vê uma leoa. É mal de família, olhamos os morros da cidade e vemos animais. Numa viagem quase lisérgica, podemos pensar que eles eram bichos que foram ficando tão velhos que viraram estátuas de pedra. 

Isso me lembrou o personagem bíblico Ló. Ele era sobrinho de Abraão e segundo as escrituras foi salvo da destruição de Sodoma por dois anjos. Ele, a mulher e suas duas filhas escaparam. Os quatro receberam a ordem de não olhar para trás. No entanto, a mulher dele olhou e virou uma estátua, só que de sal. 

Diante de algumas coisas que aconteceram nos últimos anos no Rio de Janeiro, fiquei pensando se Sodoma não seria aqui. Vou apenas mudar a matéria prima das estátuas. Em vez de sal, pedra. Pode haver alguma imprecisão geográfica em quem contou essa história no Livro de Gênesis. Vamos imaginar versão alternativa à epopeia bíblica. Alguns bichos que presenciaram a destruição da Sodoma-Carioca ainda estão por aqui. Por exemplo, além do elefante e da leoa gigantes a que me referi, o morro Dois Irmãos poderia ser um camelo petrificado pela mesma maldição. Na Baía de Guanabara tem o Cara de Cão, cujo nome não disfarçaria sua origem. 

Volta e meia, a incompetência das autoridades em deixar ocupar áreas inapropriadas provoca a ira das criaturas petrificadas e elas se desfazem de partes de sua anatomia para demarcar território e avisar que o homem não pode chegar tão perto. Diante dos tempos obscurantistas que vivemos, pode ser que alguns tomem a teoria acima como possível, e que todas as desgraças ocorridas na cidade seriam castigo divino pela passado sodomita deste território ocupado por nós. 

No entanto, as tragédias na Muzema e na Babilônia ocorreram por um problema mais terreno e crônico na cidade do Rio de Janeiro: a ocupação desordenada do solo e a ausência do Estado. Em política se diz que não há “espaço vazio”. É isso que ocorre. As milícias são donas da terra que o Estado não tomou posse. 

Enquanto as autoridades não forem firmes em impedir construções  em áreas de risco e não arrumarem soluções minimamente aceitáveis para quem mora nesses locais, vamos, de tempos em tempos, contar nossos mortos embaixo de escombros. 

Não adianta criar conjuntos residenciais para alocar desabrigados em áreas que eles demorem 3 ou 4 horas para chegar ao trabalho. Não se mora em área de risco porque se quer. É tudo uma questão de necessidade. O bem estar do cidadão deve ser uma premissa do estado. More esse cidadão na área nobre ou na periferia. 


Segundo a Bíblia, Sodoma foi destruída por Deus com fogo e enxofre por causa da iniquidade da população. O Rio está na mesma levada. Mas na falta de fogo e enxofre caídos do céu, a gente faz a nossa parte sendo egoístas, intolerantes e votando muito mal. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário