domingo, 21 de abril de 2019

Solidão na Páscoa

Fui ao clube com um livro na mochila. O objetivo era ler e ao mesmo tempo pegar um sol. Até agora foi a única atividade diurna que pude chamar de lazer neste feriadão. Estou atracado em alguns livros, pois tenho um desafio acadêmico e tanto neste ano, desta forma, tempo livre ganhou a definição de inexistente nesses dias. 

Com a compreensão habitual da minha mulher me mandei de casa para um momento de solidão opcional. Quem sabe entre um mergulho e outro vou montando o quebra-cabeça que arrumei ao me propor fazer uma dissertação de mestrado. 

Eis que quando estou em meu momento “lobo solitário” percebo a inquietação de uma mulher. Eu já tinha notado sua presença antes mesmo de chegar à piscina. Em uma das áreas do clube ela fazia uma chamada de vídeo para alguns parentes. Falava alto e pedia para ver o rosto de todos. Pelo sotaque, notei que ela poderia ser de outra parte do Brasil. 

Ela deve ter mais de 65 anos. Numa leitura do arquétipo apenas, ela tem todo perfil de ser a matriarca de um clã. Num Domingo de Páscoa isso poderia representar inúmeras atividades para receber a família. Isso é a leitura leviana e superficial de alguém que julgou uma situação por um simples olhar. Abandonei-a e voltei minhas energias para a salada teórica que me meti tentando entender a mistura de consumidores e cidadãos segundo Néstor Garcia Canclini. 

Na piscina, vejo-a novamente. Chegou falando alto e dando bom dia a um grupo de pessoas mais ou menos da idade dela. Pensei que ela se sentaria com o grupo, mas não. Seguiu e sentou-se ao meu lado. Em todos os movimentos parecia querer estabelecer algum contato. Quando ela chegou, sorri, mas voltei meus olhos novamente para o livro. Houve um momento que ela se levantou e falou comigo: “acho que o telefone tocou”. Eu não tinha ouvido. E, de fato, não tocara. Depois, ela tentou entabular uma conversa sobre temperatura, sol quente e umidade. Conversa a qual respondi polidamente, com um sorriso superficial. 

Fique pensando que talvez naquela mulher a solidão não fosse uma questão de escolha, como foi a minha nesta manhã. Procurei uma aliança nos dedos, ou quem sabe duas, a que indicaria viuvez. Não encontrei. 

Apesar da Babel que pode se transformar a casa com dois adolescentes,é bom pensar no som que as companhias fazem. Como é bom ter a minha mulher para me dar a mão quando inevitavelmente tenho que entrar num avião. Não é um exemplo comezinho , o companheirismo se faz nas pequenas coisas. 

Admiro os que conseguem conviver com a solidão, se bastar com seus livros e séries por demanda, chamadas de vídeo para outras localidades e superficiais conversas na piscina de um clube. Não sou assim e espero que a solidão não me faça companhia. Ou melhor, que ela aconteça nos momentos em que eu optar por ela. E que essa opção se permita passageira. 

E aos que estão em grandes mesas ou na frente da TV, comendo a pizza que sobrou do jantar de ontem, e também para os desalentados que não sabem o que comerão amanhã, que a vida proporcione a Páscoa, isto é, o ressurgimento e a ressureição. 

2 comentários:

  1. Identificadíssimo! Ter uma companheira e uma família estável nos faz tocar a vida com tranquilidade.

    Feliz Pascoa, Creso!

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