quarta-feira, 10 de abril de 2019

O Rio de Janeiro não sabe para onde ir

O Rio de Janeiro vive como um cachorro que caiu do caminhão da mudança. Por não ter ideia de onde será a nova casa, vive sem rumo. A situação só melhora se encontrar um novo lar. No entanto, essa nova casa traz uma realidade completamente diferente da anterior. 

Durante 197 dos seus 454 anos, o Rio de Janeiro foi a capital do país. Primeiro da colônia, depois do Reino Unido Brasil Portugal, do Império e finalmente, da República. O Rio pode se orgulhar que foi a única cidade americana a ser capital de um reino europeu. 

A questão é que de 1960 para cá tudo mudou. A chegada de Brasília tirou o trono do Rio de Janeiro. Durante a transição o Rio era chamado de Belacap, enquanto a cidade projetada recebia o nome de Novacap. Aos poucos a dura realidade foi se impondo e o Rio foi perdendo sua força política. 

Durante a ditadura militar, os cinco generais-presidentes tinham residências fixas no Rio. A cidade mantinha certa centralidade. As coisas que aconteciam nela ainda repercutiam demais. O assassinato estudante Edson Luis e a consequente Passeata dos 100 mil tiveram palco no Rio de Janeiro. 

No entanto, o tempo foi passando e a transição terminou. Algumas empresas públicas como Petrobras e BNDES ainda têm suas sedes na cidade, mas o Rio passa por um esvaziamento preocupante. A questão é que o Rio, como metrópole moderna, teve sua identidade formada pelo fato de ser a capital do país. 

A importância portuária que fez com que os portugueses escolhessem colocar a colônia aqui foi se perdendo. É relevante destacar que a escolha do Rio se deveu ao fato de ser o porto mais próximo de Minas Gerais. Hoje, Santos ultrapassou a movimentação do Rio, por estar mais perto da locomotiva do país, São Paulo. E o que sobrou para o Rio?

A cidade permaneceu nas décadas de 70, 80 e 90 como o termômetro do que acontecia no país. Isso é possível de ser constatado até em novelas campeãs de audiência. Em 1978, Dancing Days, de Gilberto Braga, foi uma febre. O principal cenário da trama era Zona Sul do Rio. O Brasil queria ser Copacabana. 

Em 1988, o autor volta ao universo da classe média alta do Rio de Janeiro. Os personagens passeavam por pontos conhecidos da cidade como Copacabana e Urca. Na humilde opinião deste telespectador, Vale Tudo foi a obra prima de Gilberto Braga. 

Em 2015, O autor tentou revisitar a trama. A novela Babilônia se passava na Zona Sul do Rio de Janeiro, onde existe uma comunidade com este nome. As citações à Vale Tudo eram sutis. As protagonistas eram a heroína Regina e a vilã Beatriz. Era uma homenagem à Regina Duarte e à Beatriz Segal, que viveram respectivamente a mocinha e a vilã de Vale Tudo. 

Apesar da repetição da dobradinha com Denis Carvalho e a ambientação na Zona Sul do Rio, algo mudara. A ex-capital já não era a cara do Brasil, pelo fato do Brasil ter muitas caras. O país encaretara, fato que  tem ligação direta com a eleição dos ultra-conservadores no campo dos costumes Marcelo Crivella, para Prefeitura do Rio e, posteriormente, Jair Bolsonaro para Presidência da República. 

O país não queria mais ser Copacabana. O Brasil agora era da sofrência e do sertanejo universitário. Não há demérito nisso, é apenas uma constatação. O que antes era periférico nas novelas passou a ser iluminado pela audiência. O próprio Gilberto Braga ao sofrer com os baixos números conseguidos por Babilônia admitiu até um “trauma” adquirido depois da novela. 

O país de agora é muito mais parecido com a realidade do Divino, bairro fictício da novela Avenida Brasil. O local foi inspirado no carioquíssima bairro de Madureira. No entanto, a trama de João Emanuel Carneiro retratava o apogeu da classe C emergente. Era no Rio, mas poderia ser em qualquer bairro periférico do Brasil. 

O Rio de Janeiro foi deixando de ser o local em que se aspira a morar. São Paulo ocupa de uns tempos para cá esse posto. A capital paulista é a cidade das oportunidades, onde se trabalha e se come bem. Uma cidade onde as coisas funcionam. 

O período mais recente em que o Rio deu sinais de uma possível recuperação foi com os investimentos para a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos. E por qual motivo? A cidade foi tratada como capital novamente. Recebeu investimentos e foi embelezada. Descobrimos depois que junto veio uma onda de corrupção impressionante. Estamos pagando a conta.  

Andar pela cidade é um triste constatar do aumento do número de pessoas morando nas ruas e da depreciação dos equipamentos urbanos. Ruas esburacadas, canteiros carecas e mato onde deveria haver grama. 

Vários aspectos podem ser a razão para a guinada conservadora de um estado que elegeu um homem de esquerda como Leonel Brizola duas vezes. A primeira, em plena ditadura. Um desses motivos pode ser o desejo da volta à fase relevante do Rio de Janeiro. Uma fase em que representávamos o que o Brasil queria ser. Tal qual renascentistas que buscavam voltar à cultura greco-romana, queremos, helênicos, voltar ao passado de glórias da cidade. Enquanto o Rio de Janeiro não entender pra onde deve ir, vamos fazer como o cão a que me referi no começo do texto, ou então, vamos olhar no retrovisor e bater na árvore caída em alguma rua da cidade abandonada. 

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