domingo, 7 de abril de 2019

Os rastros do jornalismo em mim

Entrei numa redação no fim do século passado. Bati pautas numa velha máquina de escrever que esticava sua permanência por lá. Não que seja tão veterano, a máquina é que já não era condizente com a realidade dos veículos jornalísticos. Vamos dizer que era um elemento vintage naquele corre-corre fascinante. Muita coisa mudou nesse tempo, afinal, são mais de 20 anos. Mas um aspecto permanece inalterado. Não é só você que escolhe o jornalismo, o jornalismo também escolhe você. 

Eis que este blog chega ao texto de número 400 justamente em 7 de abril, Dia do Jornalista. Corri para meu bloco de notas a fim de escrever este post antes das badaladas noturnas que viram a folhinha do calendário. Ao longo dessa estrada digital deixei pedaços da minha alma, interrompi lágrimas, sorri recontando histórias, mas, acima de tudo, deixei vestígios da minha alma. 
 
E num momento em que querem desprezar o jornalismo, é a ocasião em que esse jornalismo se faz mais necessário. Há poucos dias fiz um texto em que defendia a profissão. (http://blogdocreso.blogspot.com/2019/04/em-defesa-da-formacao-academica-do.html?m=1) logo, meus argumentos estão expostos ali, e não vou me ater sobre isso hoje. 

Esse texto pretende falar dos rastros e cicatrizes, como descreve a professora Jeanne Marie Gagnebin. A escrita funciona como a ponte que irá permitir que essas memórias (rastros) possam ser deixadas como herança para quem de alguma forma nos acha relevantes. 

Nesta semana, meu filho mais velho fez 16 anos. Como na maioria das vezes, escrevi um texto para ele. Acho que já repeti inúmeras vezes oralmente o quanto a existência dele significa para mim. Mas os escritos que envio a ele serão a forma de deixar os rastros mais nítidos. 

O jornalismo é uma profissão que exige uma dedicação integral de tempo. Como é uma questão de ser e não de estar, intermedeia todas as nossas relações sociais. Em abril de 2003 tive que voar de uma redação para casa a tempo de acompanhar minha mulher ao hospital na hora do nascimento do meu filho. Em março de 2001 estava de plantão e não consegui dar um último beijo na minha mãe. Com meu pai, em julho de 1997, foi a mesma coisa. 

Porque o sacerdócio que você mergulha ao decidir entrar na faculdade para estudar jornalismo exige esse tipo “tributo”. Em troca da nobre missão de escrever o evangelho dos nossos dias, tornamo-nos escravos de uma rotina que muitas vezes sacrifica o tempo em que ficamos com a família. 

Hoje foi um dia que me deu uma certa nostalgia. Lembrei das incertezas se conseguiria emprego, depois da insegurança se me manteria no emprego. Pensei na recompensa afetiva de fazer uma boa matéria. Das inúmeras histórias que testemunhei e contei. Lembrei de quem partiu e me ensinou. Rememorei cicatrizes físicas e emocionais, das vezes que me indignei com o que julguei ser injustiça e das inevitáveis desilusões. 

Como o jornalismo é dinâmico, dei uma olhadinha no retrovisor só para reafirmar a fé. O caminho prossegue e não tenho a menor pretensão de interromper a caminhada tão cedo. O jornalismo deixou minha vida viável. Por intermédio dele vou deixar meus rastros e meus vestígios, como fiz até agora nos 400 textos deste blog. 



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