quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Eu gosto de uva passa no arroz

Ideias ruins são as que eu não tenho. Errado é o que eu não penso. Feio é o que eu não gosto. E lá vamos nós na espiral de intolerância. Por exemplo, está chegando o Natal. Eu gosto de passas no arroz. Estou tentando antecipar os debates que valem a pena no fim do ano. Acho que as passas tiram do arroz o gosto da rotina. Eu como arroz o ano inteiro. No entanto, quando sinto as passas, afetivamente lembro-me do Natal. 

O ser humano é esquisito. Eu odeio panetone, justamente pelas passas e outras frutas cristalizadas. Isso quer dizer que é possível a mesma pessoa gostar de passas e não gostar de passas. Isso não é esquizofrenia. Simplesmente, passas, palavras e ideias dependem de contexto. No contexto do arroz, as passas para mim fazem sentido. Já no contexto do panetone, não. 

Devo então defender a extinção das passas? E do panetone? Penso que não. Justamente porque temos que pensar nas pessoas que sentam à mesa pensando em comer essas iguarias. 

Outro dia, ouvi uma amiga reclamar da comida que serviram numa festa. Vegana, ela reclamou que a dona da casa não se preocupou em colocar opções no cardápio. Minha amiga disse que quem convida deve deixar as visitas à vontade. 

Ouvindo o lado da anfitriã,  percebe-se que ela pensou na maioria dos convidados. Os outros convivas não tinham restrições alimentares e por isso, ela não se preocupou com a amiga de hábitos diferentes. 

O que o bom senso recomenda nesses casos é ter comida para a maioria e para minoria. Tentar conciliar os interesses. Não deixar que o grupo em minoria, no caso os veganos, sinta-se abandonado e sem cuidado. 

Como não sou vegano, quando chego às festas não percebo se há uma comida especial para quem tem uma dieta diferente. Não é uma questão para mim, então confesso não me ligar. Minha mulher também não é vegana, mas quando organiza eventos, se preocupa com as possíveis restrições alimentares de quem foi convidado. 

Logo, minha mulher tem uma alta dose de empatia alimentar. Sempre foi uma preocupação dela, mas talvez minhas restrições a frutos do mar e a chocolate tenha tido o efeito de aguçar ainda mais este cuidado. 

Também não gosto de cravo no tender. Mas, como a maioria gosta, me sujeito a comer. Discretamente, separo os cravos, assim como faço com as frutas cristalizadas do panetone. Porque enquanto estiver por aqui, continuarei almoçando e jantando. Preciso manter minha alma leve a convivência pacífica com os meus. 

Mas mesmo essa conciliação gastronômica tem limites. Não dá para comer bife de fígado e jiló. Aí, não há entendimento possível. Há linhas divisórias que devemos estabelecer e dizer: daqui não passo. 


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