sábado, 3 de novembro de 2018

O desencontro do tempo na novela das 9h

Segundo Sol está nos momentos derradeiros e há alguns desafios que o enredo faz ao telespectador. Karola ser filha de Laureta é a mais acrobática concessão que o público terá que fazer à fantasia da trama. A saída de João Emanuel Carneiro foi tentar “infantilizar” o personagem de Débora Secco. 

A personagem perdeu os cabelos longos e as roupas deixaram de ser luxuosas. Tudo para tentar diminuir a sensualidade dela e deixá-la mais distante do mundo de Laureta. Desta forma, o autor preparou o caminho para a revelação do parentesco das duas. 

Em uma época que se pede cada vez mais representatividade, Segundo Sol estreou com críticas ao fato de haver poucos negros ocupando papéis de destaque na trama, que se passa em Salvador, capital do segundo estado com maior número de negros em sua população. 

A importância de Roberval no enredo aumentou para tentar compensar essa ausência de negros na novela. Zefa também teve a função de atenuar a falta de representatividade. 

A trama de Maura, Selma e Ionan também acabou ficando mal resolvida. Entende-se que o autor quis dizer que amor independe da identidade sexual do ser amado. No entanto, diante da onda conservadora, em que é aventada a criação de um Ministério da Família, sugerir que a personagem gay pode viver um amor hétero não é bom para causa. Suscita-se que pode haver a “cura gay”. 

A Laureta de Adriana Esteves acabou ficando numa frequência parecida com a Carminha de Avenida Brasil. Os traumas da infância que fizeram com que a outra personagem tivesse desvios de caráter reapareceram na atual composição. Colocar Adriana Esteves como alguém que sofreu torturas durante a ditadura é uma forçação de barra na cronologia. Só se a novela se passasse nos anos 90, o que não é o caso. 

Leticia Colin deu conta do recado, mas a trajetória dela sofreu algo ainda não bem explicado. Rosa parecia se transformar numa Cinderela, no entanto, virou a linha dramática e se tornou volúvel e vilã, nesta reta final volta ao time “dos bons”. A moça é muito boa atriz, mas sofreu um pouco por conta da indefinição do autor com o papel. 

Beto e Luzia não tiveram química. Emilio Dantas e Giovanna Antonelli desempenharam bem seus papéis, mas não houve um encontro explosivo na tela. Faltou mais um aspecto: não é possível que uma DJ famosa e um cantor de sucesso consigam viver todas as desventuras da novela e a trama ser comum. João Emanuel Carneiro deveria ter tentado colocar também o papel da mídia em acompanhar a trama, quase fazer uma outra novela dentro da novela. 

Doenças autoimunes podem acontecer com qualquer um. No entanto, achei óbvio demais que Rochelle tenha sofrido Guillain Barre. Isso pode dar a impressão que a doença acomete as pessoas com falhas de caráter, que o problema é uma punição divina. 

Mas tudo vale a pena quando Dulce entra em cena. Renata Sorrah está roubando a trama com a personagem. O desempenho é tão arrebatador, que há cenas em que Vladimir Brichta parece não aguentar e rir de verdade da companheira. 

E novamente, apesar de toda expectativa, João Emanuel Carneiro não conseguiu o êxito de  dramaturgia que conseguira com Avenida Brasil. Essa novela ficou aquém de A Favorita e a Regra do Jogo. 


Não é fácil encarar o desafio de fazer uma novela no horário mais importante e emprestar vitalidade a um gênero que há mais de 60 anos entra nos lares brasileiros. Só por isso, João Emanuel Carneiro é um herói. Ops, não estamos em tempo de exaltação de heróis. 

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