terça-feira, 6 de novembro de 2018

O jornalismo, a lanterna e o WhatsApp

Estava numa palestra sobre lei e ética. Era um evento interessante e me chamou tanta atenção a primeira parte que passei a anotar para não perder nenhum detalhe, revivendo um pouco minha época na reportagem. Pensando bem,  não existe ex-repórter, tendo em vista que a função é intrínseca ao jornalismo. 

Ao final, os palestrantes abriram para perguntas. Em tempos polarizados, este momento é o mais perigoso. Tiro e queda. Uma pessoa se levantou, sacou o celular do coldre e disparou: “um absurdo. Onde está a ética dessa gente? O Jean Wyllys vai dirigir um video em que Jesus vai ser homossexual “. 

Tinha decidido que minhas tretas ficariam restritas às redes sociais. Na verdade, a decisão é mais radical - acabar com as tretas. Mas foi inevitável. Meu espírito de “botar o dedo na tomada”, assim definido pela minha querida amiga Carla Rodrigues, falou mais alto. 

À velocidade de um clique, desmenti a história. Levantei a mão e pedi a palavra. Apresentei-me. Sou jornalista profissional há 22 anos. Não poderia ver a profissão ser vilipendiada na minha cara. Li o desmentido, mostrei a fonte e disse que é uma irresponsabilidade, além de ser um ato leviano, passar essas histórias. 

Deixei a pessoa que divulgou a história sem graça. Ela pediu desculpas, disse que estava avisando à fonte que a notícia era falsa. Ela disse que dali em diante se preocuparia em confirmar antes de repassar. 

Essa poderia ser uma história pedagógica e com final feliz. Mas não acredito que o episódio vá mudar a conduta daquela pessoa. Pelo simples fato de que ela quer acreditar na informação falsa recebida e porque ela não era jornalista profissional . 

Na verdade, o jornalismo profissional é mais necessário do que nunca. É dele que pode vir a informação responsável, antídoto ao império da mentira. As pessoas devem estar mais dispostas a dialogar e a ouvir o contraditório. 

O episódio da semana passada, quando Jair Bolsonaro impediu a entrada dos jornais O Globo, Folha e Estadão numa coletiva mostra o desprezo pela mídia tradicional. Ele quer esvaziar a representatividade desses veículos. 

Só há uma saída para os jornais: fazer jornalismo, ser o espaço da informação independente, da formação da opinião, da lanterna que joga luz no escuro. O presidente eleito e seu séquito já deixaram claro que será uma relação de hostilidade da parte deles, agora é ser profissional e manter o foco na apuração e na prestação de serviço . 

Passado o período eleitoral, a justiça deve se dedicar fortemente a desmontar a máquina de mentiras nas redes sociais, mais notadamente, no WhatsApp. Essa terrível máquina de desinformação pode implodir o sistema político. A maioria dos eleitores de Jair Bolsonaro acredita na mentira sobre o kit gay. E como combater isso? Com a palavra os nobres magistrados. 


O jornalismo é umbilicalmente ligado à democracia. Os dois crescem proporcionalmente e morrem unidos. Se você preza suas liberdades e o combate à corrupção, defenda o jornalismo. Se há alguma coisa que pode ajudar a sociedade é um jornalismo crítico, livre de cooptação. Um jornalismo que, por ser incômodo, faz o governante pensar duas vezes antes de roubar e cometer desvios antidemocráticos. O jornalismo é bússola, posto que indica a direção. O jornalismo é barco, já que nos leva a um lugar. O jornalismo é destino, pois só com ele é possível combater o fascismo, a desigualdade e o império da mentira. E numa convicção quase cívica exclamo: viva o jornalismo e à liberdade. 

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