sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Antígona e o presidente da UDR

Antígona desafiou uma lei de Creonte para poder enterrar seu irmão. Atraiu para si o ódio real mas foi até às últimas consequências lutando pelo que acreditava.  Confesso que sempre achei a mitologia grega bonita, mas por absoluta falta de oportunidade, nunca me aprofundei no assunto.  Por causa do mestrado li as obras da trilogia tebana, de Sófocles (Édipo Rei, Édipo em Colono e Antígona). 

O professor Junito Brandao escreveu que Antígona representa a luta de um poder sem verdade e uma verdade sem poder. Acabo de ler a declaração do futuro secretário para assuntos fundiários, Luiz Antônio Nabhan Garcia, sobre os assentamentos do MST. Disse o pecuarista presidente da União Democrática Ruralista:: “Haverá uma reforma agrária começando pela reestruturação do assentamentos que se transformaram em favelas rurais”. 

Garcia é bem explícito no que diz, a partir de agora o MST será criminalizado. Começará pelo MST, mas em alguns meses será assim com todos os movimentos sociais. O presidente da UDR quer que tudo seja dentro da lei. E quem faz o lobby e financia o poder legislativo? Os ruralistas. A lei natural em que todos no campo precisam de terra para tirar do solo sua subsistência se opõe à lei positiva de que as terras são de quem pode comprar. Essa oposição já está a em Antígona, escrita há 24 séculos. 

Outro aspecto da infeliz fala do ruralista é o termo pejorativo para se referir à favela. Em suas palavras estão implícitas as palavras extermino e erradicação. Favela deve ser integrada. É parte da cidade, onde moram pessoas que produzem riquezas para as cidades com a sua mão de obra, por exemplo. 

Todas as mazelas existentes em uma favela não estão lá por conta de quem mora e sim por quem não mora. Ou melhor, mora nos palácios e só aparece nela em época de eleição. Garcia disse que não haverá diálogo com o MST. Não há diálogo com moradores de favela. 

As manchetes daqui há alguns meses podem ser mais sangrentas e com falas menos estrepitosas. O massacre de El Dourado de Carajás correu em 1996 e deixou 19 sem-terra mortos. As mortes no campo nunca cessaram, mas correm um sério risco de se intensificar com o discurso da nova ordem. No campo e nas favelas, afinal drone e sniper podem atuar em qualquer lugar. 

2 comentários:

  1. Fiquei comovida com a utilização da mitologia para entender a atualidade brasileira. Estudei Filosofia em plena ditadura numa faculdade católica, reacionária e perfeitamente compatível com a cidade que pertencia : Petrópolis. Minha cidade natal elegeu Bolsonaro de forma vergonhosa e assustadora. Estamos vivendo uma volta aos piores momentos da ditadura de 64. E seremos todos enviados para o labirinto, sem saida, amaldiçoados.

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