terça-feira, 18 de setembro de 2018

Tenho medo do guarda da esquina


O assassinato de um jovem trabalhador no morro do Chapéu Mangueira é um triste retrato do que muitos consideram como a ação bem sucedida da polícia. O homem carregava um guarda-chuva, mas a polícia confundiu com um fuzil! A sacola canguru em que levava seu filho foi confundida com um colete à prova de balas. 

O que fez a polícia? Atirou. A estatística é simples, a morte de um inocente é irreversível, é inaceitável e mostra a falência do estado. Na sexta-feira, o Instituto de Segurança Pública divulgou os índices da criminalidade em agosto. Houve queda em diversos indicadores, na comparação com o mesmo mês de 2017. Mas um aumentou substancialmente: o número dos autos de resistência, mortes em confrontos com a polícia.

Houve comemoração, afinal, o crime diminuiu e as mortes de bandido aumentaram. O assassinato de Rodrigo Serrano mostra que para morrer em confrontos com a polícia ser “bandido” não é condição irrefutável. Basta ser pobre, negro e estar numa área esquecida pelo estado. 

A carteira de trabalho ensanguentada de Rodrigo guarda semelhanças com a roupa manchada de sangue do estudante Edson Luiz, morto pela repressão em 1968. 

Essa política de segurança em que se atira antes e se pergunta depois é preconizada pelos defensores da “ordem”. Como canta Milton Nascimento na música Menino: “quem cala sobre seu corpo consente em sua morte, talhada a ferro e fogo, nas profundezas do corte, que a bala riscou no peito”. 

Desses autos de resistência registraria pelo Insp, quantos casos terão sido parecidos com o de Rodrigo Serrano? O depoimento da mulher dele foi de que a polícia atirou para matar. Um caso como este mostra que as forças do estado não podem ter mandados de prisão aleatórios, pois tendo que dar satisfação já matam inocentes, imagina se tiverem licença para matar. 

Durante uma aula discutíamos a intervenção federal no Rio e a política de segurança baseada na imposição da ordem sem a necessária inclusão social. Uma aluna moradora de comunidade foi taxativa: a polícia entra na minha casa sem mandado, revista as minhas coisas porque eu moro na favela. 

No conforto de nossos lares de classe média, impressionados pelas notícias de assaltos e assassinatos, defendemos que a polícia seja repressiva e acabe com o crime. No entanto, ela não bate em nossa porta sem ordem judicial, não atira em nossa direção pelo simples fatos de estarmos passando numa hora em que não deveríamos passar. Não temos toque de recolher em nossos endereços de classe média. 

O político paraense Jarbas Passarinho contava uma historia que pode servir perfeitamente aos nossos tempos. Ele disse que no dia da decretação do AI-5 assistiu a uma discussão entre o ministro da Justiça do governo Costa e Silva, Gama e Silva, e o vice-presidente, Pedro Aleixo. O ministro defendia o ato e perguntava ao vice  se ele não confiava em Costa e Silva. Aleixo, que relutava em apoiar a medida, declarou: “no presidente, eu confio, eu não confio é no guarda da esquina”. 

O excesso de autoridade, o mau preparo e a filosofia da violência produzem casos como esse. Enquanto irresponsavelmente prega-se nos gabinetes e palanques a cultura do ódio, os guardas da esquina incorporam a mensagem e seguem fazendo suas vítimas. 


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