quarta-feira, 31 de outubro de 2018

O amor e o poder

Às vezes penso que a saída é furar os olhos, tal como Édipo ao constatar que matara o pai e se casara com a mãe. Um dos mitos mais conhecidos da Grécia aumentou sua popularidade no Brasil por causa da novela Mandala, de 1987. Édipo, Jocasta, Laio e Creonte caíram na boca do povo. Tudo isso embalado ao som de O Amor e o Poder, hit icônico de Rosana. “Como uma Deusa...”. 

Quando Édipo fura os próprios olhos acaba travando uma viagem para dentro de si. No entanto, pode também ser encarado como fuga da realidade. Não querer ver pode ser medo de encarar o problema e acabar numa atitude procrastinadora. 

Em outra oportunidade pegamos os cacos de vidro e furamos os olhos por não querer enxergar outras possibilidades, que não as presentes em nosso repertório. 

Na nossa era da hipersegmentação, cada vez mais voltados aos nossos umbigos, literais e metafísicos, cegamo-nos às contribuições que outros campos podem nos dar. 

Eu, por exemplo, demorei a perceber a utilidade escapista das músicas dos Mamonas Assassinas. As letras quebravam o engajamento da geração anterior, mas eram libertárias. Logo eu, que sempre me pretendi eclético, com um bom grau de cultura pop inútil. O mesmo ocorreu há poucos dias, quando vi Nasce Uma Estrela e tardiamente reconheci talento em Lady Gaga. Se Mia Couto escreve “ficamos surdos pelo excesso de palavras”, parafraseio: ficamos cegos pelo excesso de imagens. 

A soberba do que acho ser o meu conhecimento tem o efeito dos cacos que deram cabo à visão de Édipo. Tentarei enxergar mais profundamente minha alma, para ver se há algum proveito na cegueira dos meus olhos. E assim tentar me livrar da estreiteza do meu repertório. 

Mas pode tudo ser um mito derramado, filosofado em torno da arrogância de um saber canônico, que ao fim do dia, queda-se na cama e revela-se estreito. E o furar os olhos torna-se apenas, ato de flagelo, inútil e limitante. 

Quem tiver ouvidos, que veja. 




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