quarta-feira, 8 de agosto de 2018

O presidente "pé quente" e os esquecimentos que não devemos ter


Estava no meio de um exercício na clínica de reabilitação cardíaca, quando comecei a ouvir um diálogo. Sim, sou daqueles que recolhem fragmentos das conversas alheias. Como já expliquei, vivo em busca de histórias, das mais vulgares às especiais. 

Voltando ao diálogo, ouço uma mulher perguntar a dois homens que conversavam: “O Médici que ganhou a Copa do Mundo, não foi? Pé quente aquele cara”. 

Os dois homens falavam sobre reminiscências do período militar. Como estamos em época eleitoral, estava especulando, entre um exercício e outro, em quem eles votariam. Não consegui nada explícito, mas como quase sempre os encontro, não será uma informação difícil de ser recolhida no futuro. 

No entanto, a expressão “pé quente” para se referir ao Médici me chamou atenção. De fato, numa leitura superficial, o terceiro general-presidente tinha sorte. Além do tricampeonato, houve o “milagre econômico“ com taxa de crescimento superior a 8% ao ano, índice chinês de aumento da atividade econômica. Não falam muito, mas posteriormente a taxa foi recalculada para baixo e a ressaca do “milagre” foi uma hiperinflação. 

Fiquei pensando se as famílias dos presos torturados e das pessoas dizimadas no Araguaia também consideram Médici “pé quente”. Quarenta e cinco anos depois o que ocorreu na guerrilha precisa ser explicado à população. É importante conhecer o passado para que os erros não sejam cometidos no futuro. 

A frase da mulher na academia me fez pensar que cada um guarda na memória o que convém. Já havia ouvido várias descrições sobre o governo Médici, mas essa de “pé quente” foi bastante original. 

O que me faz crer que a pessoa em questão tem uma certa nostalgia pelo que aquele governo representou. Será que era sua adolescência, ou a entrada na fase adulta? São heterodoxos os caminhos da memória. 

O fato é que a classe média brasileira desembarcou do regime militar depois do governo Médici. As metáforas de “Brasil Grande”, de “Ame-o ou deixe-o” eram a expressão do que pensava a elite. 

A supressão de liberdades como a censura aos meios de comunicação, as torturas e o fim dos habeas corpus eram vistos como efeitos colaterais para que o país entrasse em ordem. 

No entanto, dores quando ocorridas há muito tempo, tendem a ser esquecidas. Além do que, uma parcela significativa da sociedade tem “saudade de tudo que ainda não viu”. Esse saudosismo tem uma perfeita encarnação, a chapa Bolsonaro-Mourão. 

Se for para  pensar em termos esportivos, JK, Jango, Itamar e FHC também foram “pés quentes”. E explorando mais um pouco o raciocínio da senhora que exaltou a sorte do ex-presidente Médici, constata-se que o Brasil tem mais títulos durante períodos democráticos do que em regimes de exceção. Durante o Regime Militar a seleção brasileira amargou eliminações em 66, 74, 78 e 82. 

Pensando bem, antes de exaltar a sorte esportiva de Médici, é melhor exaltar um time que conseguiu reunir Pelé, Tostão, Gerson, Jairzinho, Rivelino, Carlos Alberto e PC Caju. 

Então, respondendo a pergunta, não foi o Médici que ganhou a Copa. Foi esse esquadrão armado por João Saldanha e Zagallo. Presidentes não entram em campo, não fazem gol. Aliás, suas atitudes podem até atrapalhar que realmente impedir e atrapalhar as vitórias esportivas. 

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