terça-feira, 26 de dezembro de 2017

As cancelas nas ruas do Rio e a gula do Natal







A crise econômica tem alguns efeitos periféricos curiosos. Por exemplo, os números de Ibope na Rádio Globo mostravam uma tendência. Quando o bolso ia mal, “só Jesus na causa”. Quando as pessoas se viam em dificuldades financeiras, a audiência do Padre Marcelo Rossi subia. 

Durante os últimos 7 anos que fiquei na emissora, pude comprovar que os inventores da sentença tinham razão. É a tal história, quando o calo aperta a gente lembra e dá uma olhada no sapato. 

Acho que tudo na vida da gente seria facilitado se em vez de reagir, agíssemos. Por exemplo, a orgia natalina. 

Relacionar uma festa religiosa com orgia pode parecer heresia, para o pessoal que defende censura à exposição, por exemplo. A esses, peço calma, a orgia a que vou me referir é a gastronômica. 

Nesse momento escrevo auxiliado por um  Sonrisal. Já não tenho o metabolismo de outras épocas e a primazia dos olhos sobre a fome cobra seu preço. 

Em quando aquela dor que parece uma faca entrando um pouco abaixo do peito e chegando às costas, lembro que as últimas quatro fatias do tender delicioso poderiam ter sido evitadas. 

No entanto a ansiedade e a vontade de ter aquele pedaço da carne mais escura do pernil fazem com que você aja sem medir as consequências. 

Será um medo atávico de ficar sem comida? Em algum lugar entre as missões gaúchas e a migração sertaneja, posso ter tido antepassados que passaram fome e me transmitiram essa glutonaria. 

Aliás, herdamos uma série de glutonarias. Os muitos carros, os muitos sapatos, os muitos relógios são a prova disso. Esse acúmulo nos faz ter medo de perder o que temos. 

O medo é péssimo conselheiro. Ele nos cega. Então, nos lançamos em aventuras irresponsáveis patrocinadas por  quem espalha a política do medo. 

Vejamos o fechamento das ruas do Rio. Matéria publicada no Globo mostra que no último ano foram autorizados 54 fechamentos. O estado se sente incapaz de cumprir o papel de prover segurança aos locais. 

Os moradores preocupados com tudo de valor que construíram com o suor do seu trabalhão se organizam e contratam empresas de segurança... 

As cancelas de rua podem ser incubadoras dos ‘ovos’ da serpente miliciana. Os condomínios da Barra lançaram essa tendência de cercar com grades e cancelas os logradouros. O medo provocado pela ausência do estado faz com que essa praga se espalhe para outras áreas da cidade. 

Dois mil e dezessete vai ficar marcado como o ano que um bairro inteiro se gradeou.  Por ficar numa área violenta da cidade, os moradores de Vila Kosmos, um bairro de 18 hectares, resolveu restringir o acesso ao bairro. 

O fechamento das ruas pode criar aos poucos um código de posturas para o local. “Cuidado com o carro de insulfilm escuro”.  “Ô de boné e chinelo, aonde você vai vestido assim”? O nível de controle vai subindo e em algum tempo o diálogo vai ser assim: “olá, dona Maria, a senhora vai pagar no crédito ou no débito o ingresso para entrar em casa”?  

E tudo começa pouco a pouco. Primeiro você quer a proteção e se dispõe a pagar por isso. O tempo passa e você fica com mais medo e a empresa de segurança vai lhe proteger. Quando você perceber, vai depender dela...

Não é preciso ver Tropa de Elite 2  para saber onde isso vai parar. Bem, como não sou prefeito, nem secretário de segurança, vou cuidar de fazer uma detox. Essa semana tem churrasco no sábado e depois Réveillon e enterro dos ossos da passagem do ano. Ou seja, vou comer por 72 horas seguidas. Estou pedindo remédio na farmácia. Preciso aumentar o estoque de Sonrisal. Já que não vou conseguir agir fazendo a dieta, vou ter que reagir à comilança. 


Nenhum comentário:

Postar um comentário