sábado, 23 de dezembro de 2017

Carta para o meu filho





                         



Filho, quando você for bem velhinho e eu for presença apenas no álbum de fotografias de imagens amareladas, espero que você tenha aprendido uma coisa que eu vivia falando. A gente aprende na dor ou no amor. Que o seu aprendizado seja a maior parte das vezes no amor. 

Espero que por essa época você constate o que aquele cara que nesse momento é só saudade tentava ensinar: Não adianta o talento ser grande se o esforço for mínimo. 

Ser pai é aventura mais amorosa, angustiante e gratificante de nossas vidas.  Lembro o pânico que se instaurou em minha alma no dia 6 de abril de 2003. Você tinha nascido dois dias antes. Depois de ficar no ambiente protegido do hospital chegamos à nossa casa. 

Era um domingo e o Flamengo estava em campo. Eu devidamente instalado no sofá, você no meu colo, vestido com um macaquinho do Mengâo.  Vencemos o Bahia por dois a um, com dois gols de Charles. O gol dos baianos foi uma incrível trapalhada entre Júlio César e Fabinho. O goleiro foi repor a bola, jogou a pelota na nuca do volante e ela entrou na meta rubro-negra. 

No entanto, o pânico não estava relacionado ao futebol. Na verdade estava diretamente ligado ao momento que sua avó e seu avô nos deixaram em casa com você. Olhei para o seu rosto e pensei: agora é com a gente.

O início foi bem complicado. Você se acostumando ao fato de não ter mais alimentação compulsória e a gente tentando entender o “chorês”;

Nossa, que angustia! Aquele choro indefinido que a gente não sabe identificar. É um tal de umbigo que cai, dente que nasce e cólicas que faziam você estourar qualquer limite de decibéis. Pensando agora, me veio à cabeça a expressão que aprendi com uma amiga: saudade aliviada.

Com dois anos, você chorou, colocou a mão no ouvido esquerdo e disse: “está doendo”. Vai parecer paradoxal, mas senti um alívio danado naquele dia. Acho que apesar da doença dos filhos, quando vocês conseguem identificar a dor facilita muito o nosso serviço. 

Dando um salto no tempo, teve a vez que você se perdeu na praia em Arraial do Cabo. Foram cinco minutos que tiraram uns 10 anos da minha vida. Ao encontrar, lhe abracei e chorei. Você só olhava assustado. 

Digo isso, porque vou chorar de novo.  É inevitável. Você está concluindo o Ensino Fundamental. Nossa! Se eu fosse contar as vezes em que falei “vai estudar”, “levanta logo”, “você vai se atrasar” chegaria facilmente à casa dos milhares. Mas valeu a pena. 

Lembro cada momento. Você sentado na minha cacunda, colocando o dedo no nariz, na boca ou nos olhos, atendendo solicitações dos adultos. 

Agora é um galalau do meu tamanho, com a voz mais grossa que a minha e maníaco por rock’n roll e youtubers. “Tu é bichão merrrmo”. Ah, vai achar o “mó” mico se eu chorar.

Uma vez me perguntaram no que eu pensava ao me lembrar de você. Respondi que eu me lembrava da música Oração ao Tempo de Caetano Veloso: “És um senhor tão bonito, quanto a cara do meu filho, tempo, tempo, tempo és um dos deuses mais lindos, tempo, tempo, tempo, tempo...”





Espero estar aqui por muito tempo, para curtir cada conquista e para ajudar a segurar as ondas mais brabas que surgirem ao longo do trajeto. Confie no seu taco, mas nunca perca a humildade. A delícia está no caminho que a gente faz, a chegada é consequência. Depois de um breve período de comemoração, a gente não pode descuidar, pois a batalha mais importante é sempre a próxima.

E quando eu não estiver mais aqui, lembre-se do que eu dizia: só brigue as brigas que valem a pena, chore apenas o inevitável, procure a comédia que há por trás de tudo e entenda que uma opinião diferente da sua pode lhe fazer crescer.

Guarde esse texto para ler mais tarde, tal qual o Superman fez com as palavras do pai. Leia naquele momento em que as fotos estiverem amareladas. Se bem que fotos digitais não amarelam, a tecnologia tirou a poesia da imperfeição. Aliás, nunca perca a paciência para olhar uma foto, elas possibilitam que a gente reviva momentos e mate saudades.

Pedro, eu amo você. Que eu consiga ser para você pelo menos metade do que meu pai foi pra mim. Parabéns e curta a vida.


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