domingo, 31 de dezembro de 2017

Eu, FHC e Garotinho no Réveillon








Todo mundo tem pelo menos um Réveillon inesquecível. Eu tenho alguns. Mas hoje, vou contar apenas um deles. Será o erroneamente chamado de Réveillon do Milênio. 

As previsões mais catastróficas cercavam a data. Gente que entendia de informática dizia que os computadores não estavam preparados para a virada de 1999 para 2000. As grandes corporações, os bancos e as pessoas comuns enfrentariam uma hecatombe em suas máquinas. O apocalipse tinha nome: Bug do Milênio. 

Na verdade, nada aconteceu. Quem entendia de informática resolveu a questão e quem entendia de se vender ganhou uma grana fazendo consultoria. 

No entanto, esse texto não é sobre aventuras cibernéticas, é sobre histórias vulgares de um jornalista. 

Fui escalado para cobrir a virada do ano. A equipe precisava ser reforçada por conta de uma festa que aconteceria no Forte de Copacabana.

A corte republicana se mudou para o forte naquele dia. O carioca Fernando Henrique Cardoso passaria o ano em sua terra natal, ciceroneado pelo prefeito Luiz Paulo Conde, anfitrião do Réveillon do Milênio. 

Foi montada uma estrutura em cima da pedra na ponta do Forte de Copacabana. Aquilo não tinha como dar muito certo. O vento, alheio a qualquer reverência aos participantes da festa, insistia em se fazer presente. E de tanto insistir, fez um pequeno estrago. 

A cobertura da tenda começou a se soltar, um fotógrafo da sucursal de Brasília do JB foi registrar. Alguma boa alma do cerimonial gritou para um integrante da Polícia do Exército: “Não deixa”. Prezando pela “ordem” o PE não apenas tirou a máquina do fotógrafo, como o agrediu e o levou para um porão. 

Foi uma algazarra danada, jornalistas tentando impedir que o repórter tivesse o trabalho cerceado, empurra-empurra. Sobrou catiripapo para todo mundo. Além disso, um recado bem claro: era uma instituição militar. Não seria registrado o que eles não permitissem. 

Em pleno Réveillon do Milênio tivemos uma pequena amostra do que era registrar o indesejável num regime de “disciplina severa”. 

Para piorar, o telefone não pegava. Resultado, tive que passar um flash contando tudo na sala da assessoria, que ficava quase na entrada do forte de Copacabana. 

Ao voltar, a notícia mais desoladora. Fernando Henrique havia falado e eu perdera a entrevista. Quem já fez cobertura presidencial sabe avaliar o tamanho da encrenca que eu estava. 

Para piorar, eu não conhecia ninguém. Por causa da presença de FHC, os jornalistas eram de Brasília. 

O Réveillon do Milênio tinha provocado um bug na minha reportagem. Trabalhava na virada e com pessoas que não conhecia. Mas como escrevi um dia desses, tem dois tipos de repórter: o que derruba a matéria e o que insiste. 

No momento da passagem do ano aquela felicidade. Confraternização, cumprimentos pra lá e pra cá... Vejo uma oportunidade. Dirijo-me à assessora do Fernando Henrique e jogo a isca: “meu Réveillon só será feliz se eu falar com o presidente” Ela fechou a expressão do rosto. Deu-me uma reprimenda por ter perdido a entrevista. Naquele momento não conseguiria explicar os problemas com a telefonia em Copacabana. 

Ela se afastou. Um minuto depois escuto a frase: “Só a CBN pode passar”. Aproximei-me, cumprimentei FHC, fiz umas duas perguntas da pauta, pedi uma mensagem de ano novo (tive que abrir concessões, meu pescoço estava sendo salvo) e saí. 

No fim, a solidariedade de onde eu menos esperava. O governador Anthony Garotinho me ofereceu uma taça de champanhe na mesa dele. 

Meu Réveillon foi tão atípico que o governador Anthony Garotinho era a pessoa com quem mais eu tinha intimidade na festa. 

E para quem acha que um Réveillon ruim pode ser o prenúncio de um ano desastroso, uma mensagem de esperança. Em 2000 comecei a namorar a mulher da minha vida, com quem casei e tive dois filhos maravilhosos. 

Então, menos pressão no Réveillon. O resto do ano importa mais.

Feliz Ano Novo! 


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