quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Mãos ao alto




O assalto é uma situação-limite. No momento que você está passando por ele, há um misto de medo, revolta e impotência. De forma alguma você deve reagir. Reagi apenas uma vez.

Aos 12 anos, um homem tentou levar minha bicicleta na porta de casa. Como já disse há alguns posts, eu morava na bucólica Dona Mariana. Depois de ano com uma bicicleta bem velhinha, estava com uma novíssima Caloi Peri, que tinha até bolsa para carregar raquete de tênis, apesar de nunca ter praticado o esporte, achava o máximo. Era um domingo, pois tinha acabado de assistir Mario Fofoca, spin off de uma novela que a TV Globo tinha produzido. O personagem de Luiz Gustavo usava um indefectível paletá quadriculado, andava num Fusca dourado e cantava as meninas repetindo letras de canções famosas da época.

No entanto, na chegada do assaltante não tinha Mario Fofoca para recorrer. Quando o bandido tentou levar minha bicicleta fiz o que qualquer pessoa na minha idade faria: “mãe, socoorroo”. Dona Alzira, beirando os 60 anos, com uma vassoura na mão, a fibra das nordestinas e a respeitável altura de 1,47m colocou o cara para correr.

Quinze anos depois, Dona Alzira não estava e me vi em maus lençóis. Estava numa festa “agostinha” numa casa perto do município de Cantagalo, no interior do Rio. Éramos 17 pessoas na casa. O fim de semana estava aprazível, a casa era muito agradável e a festa estava sensacional. Tinha amizade, comida e cerveja, o que poderia dar errado?

Na verdade, muitas coisas. Às 3 horas da manhã, alguns de nós insones e um tanto quanto alcoolizados começaríamos uma partida de poker. Eis que subitamente, três homens armados invadiram a casa e começam o assalto. Na época acreditamos que os fogos de artifício usados na festa tenham atraído os caras.  Estou recorrendo aos arquivos da mente para lembrar alguma situação que tenha sentido tanto medo quanto naquela vez.
A casa tinha dois andares, as pessoas que dormiam em cima foram acordadas e ficamos todos sob a mira dos revólveres.

A primeira pergunta que os bandidos fizeram foi se alguém ali era policial. Um dos nossos amigos era Policial Rodoviário Federal. No entanto, ele não informou. Só que os bandidos pegaram os documentos de todos. Ao encontrarem a carteira funcional do nosso amigo, os bandidos começaram a fazer terrorismo psicológico. Levaram nosso amigo para cima e pensamos que a tragédia iria se consumar. Graças a Deus, os bandidos só pegaram a arma dele.

Lembro o olhar de pânico de quase todos. Meu querido amigo Marcio deu a maior prova de sangue frio que vi na vida. Por causa da disposição dos assentos na sala, ele ficou de costas para os bandidos. Não sei se pelo álcool ou pela impossibilidade de reagir, o fato é que ele cochilou algumas vezes durante o assalto. 

A ação dos bandidos demorou uma eternidade. O lugar era isolado, nada poderia acontecer. Eles pacientemente pegaram os cartões de crédito e débito de todos e anotaram as senhas. Teve gente que mentiu os números. Eu não tive coragem para isso. Finalizando a noite de terror, eles separaram homens  mulheres, colocando os dois grupos em banheiros diferentes.

Esse momento foi verdadeiramente tenso. Dirigi-me rapidamente a um deles suplicando que eles não fizessem nada com as meninas. Ele respondeu que não aconteceria nada com elas.

Ouvimos um dos carros sendo roubado e o silêncio. Nesse momento começamos a operação para sair do banheiro. Lembram do Mcgiver, o cara que fazia bomba nuclear com palitos de fósforo? Pois é, ainda bem que havia dignos representantes do herói entre nós.

Márcio e outro amigo, o André, ficaram em pé diante do outro e começaram a medir o tamanho de seus zíperes. E naquele quadro surrealista, um deles fala; “deixa eu tentar, o meu é mais rombudo que o seu”. Nosso amigo policial não conseguiu perder a piada: “Isso não é hora para exibicionismos”. Todo mundo riu. Acho que naquele momento sentimos que o assalto acabara e a piada foi um bálsamo naquele cenário de terror que estávamos vivendo. Ah, de fato, o mais rombudo abriu a porta.

Soltamos as meninas e corremos para a sala. Encontramos muitos cartões jogados no chão. Foi aquela romaria para cancelar os cartões, no entanto, havia um problema: naquele domingo o sistema de telefonia estava mudando. Migrava do padrão antigo para o atual de colocar zero, operadora e DDD. Resultado, desespero para cancelar cartões.

Quase 20 anos depois, ainda lembro detalhes e como durante algum tempo fiquei com medo. Nunca mais dormi tranquilo em casas fora do Rio. Racionalmente, sei que o perigo está em todo lugar, mas a experiência foi traumática. Acho que escrevi esse texto para exorcizar esse medo. Ainda bem que não virou tragédia. Também contei essa história para homenagear meus amigos que mantiveram a calma e ainda conseguiram rir no meio de uma situação-limite.

Caros leitores, o humor salva.

    

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