domingo, 3 de dezembro de 2017

Dona Mariana II ( a minha Macondo)






A Rua Dona Mariana era como se fosse um quintal de casa. Ontem falei da varanda ocupada pelo balanço. Pois é, o balanço acabou se destruindo e liberou o espaço. Eu olhava aquela rua e achava que ela era a continuação da minha casa. Para se ter uma ideia, eu morava no térreo e a varanda tinha apenas uma grade com aproximadamente 1,20m de altura. Eu nem passava pela porta para sair de casa. Era só pular a grade da varanda. Vivíamos numa outra cidade, com mais segurança.

No começo, eu ia para a calçada e disputava partidas imaginárias de futebol contra mim mesmo. O grande barato era que eu ainda narrava os jogos. O Paulinho, que era dois anos mãos velho do que eu, deve ter se compadecido daquele menino que falava sozinho e chutava a bola. O fato é que e a gente começou a jogar bola juntos. Logo se juntou a primeira menina que se tornou minha amiga. Era a Roberta, da idade do Paulinho, jogava futebol melhor do que eu. E o pior, era mais forte do que eu e quando tinha alguma desavença, batia em mim. Claro que todo mundo caía na minha pele por isso. “Eu apanhava de mulher”. Imaginem o "mico"! O fato é que a Roberta era mais forte do que eu e me batia, e hoje compreendo que isso não era vergonha nenhuma.

Nós três admirávamos nosso vizinho mais velho, o Marcelo. Ele era 6 anos mais velho do que eu. Sempre foi o cara descolado, tinha a bicicleta maneira, tinha os amigos mais velhos e foi o primeiro a ter o supra sumo da liberdade: uma moto, DT 125 da Yamaha. Olhando hoje parece um velocípede, mas na época era o máximo! Tinha também a Biba, uma menina linda, que talvez tenha sido minha primeira paixão consciente (se aos 10 anos ou em qualquer idade paixões podem ser conscientes).

Fazendo um paralelo pretencioso com Gabriel Garcia Marquez, a Dona Mariana era a minha “Macondo”. (para quem não leu, Macondo é a cidade onde se passa o livro Cem anos de solidão). Na esquina com a São Clemente a rua tinha o imponente casarão da família Guinle/Paula Machado. Os outros endereços nobres eram a Embaixada/Consulado do Líbano, o consulado da Alemanha e a Clínica de cirurgia plástica de Ivo Pitanguy.

A Dona Mariana podia ser dividida em “sub-regiões”. Mais perto da São Clemente ficavam os prédios mais antigos. O conjunto de três prédios de três andares, ainda existentes hoje, num dos quais eu morava. Do outro lado, duas casas geminadas. Uma ocupada por duas irmãs solteiras. A outra era uma casa de cômodos, onde morava a família do Paulinho.

Mais perto da Rua Voluntários da Pátria vinham os prédios chiques. O 53, que podia ser visto de vários lugares de Botafogo, o 62 e o 66. Essa galera tinha um negócio chamado playground e não se misturava muito com a gente.
O primeiro prédio moderno a surgir na minha “sub-região” foi o 28. Nele moravam a querida Mônica e a maior celebridade entre nós: Júnior, filho do cantor Nelson Ned.

Júnior tinha nanismo como o pai. Ele tinha a bicicleta mais “invocada”, relógio digital moderno e não leva desaforo para casa. Que eu me lembre, ele morou uns dois anos por lá. Descia, jogava bola com a gente e mesmo com a perversidade infantil, não me lembro do nanismo dele ter virado piada entre nós. Lembrei do Junior ao ver a personagem que tem a mesma característica na novela Do outro lado do paraíso.

Os mais novos talvez não se lembrem, mas o pai do Júnior, o Nelson Ned era um cantor romântico que vendeu milhões de discos, encheu estádios e na parte final da vida se tornou um dos cantores gospel mais importantes.
Uma vez o Grande Otelo gravou um comercial sobre um empreendimento imobiliário na Dona Mariana. O que para nós era uma honra, na verdade representava o fim daquele período de algazarras e brincadeiras no meio da rua. O empreendimento foi construído no lugar das casas geminadas onde moravam as irmãs solteironas e as famílias da casa de cômodos.

Com isso, o Paulinho foi morar no Santa Marta. Por essa época, o Marcelo também se mudou, foi para a Barão de Lucena. A Mônica se mudou para um prédio na Rua das Palmeiras. A distância entre as duas ruas é de dois quarteirões, mas naquela época parecia ser em outra galáxia. A Roberta e a Biba se mudaram. Eu continuei por lá, mas também mudei de ares, pois a adolescência começou.

Tempos depois fui padrinho de casamento do Marcelo e da Mônica. Eles viveram felizes para sempre, enquanto o sempre durou. Atualmente ele mora em Florianópolis. Mônica está em Porto Alegre. Os dois tiveram o Ian, que hoje é ator. Roberta, encontrei tempos atrás dando aulas na PUC. Com o Paulinho, eu esbarrei algumas vezes nas ruas de Botafogo. Nunca mais soube da Biba.


Como eles foram importantes para que ganhasse a rua, eles me ajudaram a transformar o mundo no meu quintal. Os primeiros amigos são os nossos primeiros amores, nossos primeiros cúmplices fora da família e ajudam a começar o caminho. Eles estão sempre lá, num espaço da memória para nos dar algum tipo de apoio, nem que seja o apoio da nostalgia. 

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