terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Eu e meu cachorro



Tenho medo de cachorro. Acho que tudo começou com o Auinho, o cachorro da Biba, na Rua Dona Mariana. Era um pequinês, branco e marrom (aliás, nunca mais vi pequineses pelas ruas), que devia ser da altura da minha canela. No entanto, o Auinho latia desesperadamente quando me via. Hoje em dia, penso na desproporção de tamanho entre mim e aquele “perigoso” cão, mesmo assim, tinha arrepios com os ataques dele, quando a Biba saía para passear com Auinho, eu subia nos muros ou, simplesmente, voltava para casa até que a “fera” retornasse à jaula. 

Mesmo com esse histórico, habitei no mesmo teto que um cão. Não era uma “pessoa” qualquer, era o Nick. Ele era um cachorro nômade. Começou com meu cunhado, foi para a casa dos meus sogros e terminou lá em casa. 

Nick era uma mistura de Poodle com Cocker Spaniel. O arranjo era assim, ele tinha tamanho de poodle, mas o pelo e as feições eram de Cocker. Nick foi o primeiro neto dos meus sogros. A chegada do Pedro tirou o “trono” dele. No entanto, Nick era tranquilo, conformou-se com o novo papel. Para ser mais exato, quando o Pedro dormia no berço, ele velava o sono do “concorrente”. 

Sempre comentamos em casa que o Nick não sabia que era cachorro. Ele só convivia com outros cães na petshop. Acho que com sua visão bidimensional olhava para os outros quadrúpedes e pensava: “quem eram aqueles animais esquisitos?” Nick não dava muita bola para as crianças, mas fazia questão de estar onde elas estivessem. Ah, ele adorava biscoitos. Se as crianças dessem mole, ele roubava das mãos delas, sutilmente, sem avançar. 

Nick parecia um cachorro de “circo”. Quando íamos deixá-lo sozinho, dávamos biscoitos caninos. Ele se equilibrava nas duas patas para pegar. Ou seja, para comer, ele virava um bípede. Ficou muito doente no fim da vida. Minha mulher cuidou dele com todo carinho. O Nick vai ser eternamente nosso cachorro. Acho que a primeira vez que tive consciência da falta que ele faria foi depois de ver Marley e eu. Aviso, este trecho contém spoiler. Quando o filme acabou, o Pedro, então com 7 anos, falou comigo e com a mãe: “o Nick vai morrer um dia”.  Foi o gatilho para um choro uníssono da família. Uma das imagens carinhosas que tenho da infância das crianças é quando lembro Pedro e Clara com as mãos levantadas, para que o Nick não roubasse os biscoitos. Já são 4 anos sem ele, mas quando abro a porta de casa, ainda tenho a impressão que ele vai fazer aquela recepção característica e pular em cima das minhas pernas querendo atenção. O problema de ter cachorro é que eles duram menos que a gente. A dor da partida é semelhante à sentida quando morre uma pessoa querida. Só quem não teve cachorro ousa discordar dessa frase. 

O Nick voltou com força à minha memória por causa de um “ataque” que eu sofri. Outro dia, fui numa festa muito divertida. Em determinado momento, o cão se aproveitou da distração dos donos e devorou duas guimbas de um cigarrinho. De alguma forma, a substância ingerida alterou o ânimo do cão. O fato é que ele partiu decidido pra cima de mim, querendo que eu lhe desse o cachorro-quente que eu comia. 

Tentei explicar que aquilo era feio, pois poderia parecer “canibalismo” (cachorro-quente X cachorro - piada infame). O cão não entendeu ou não gostou da minha piada e continuou latindo e pulando nas minhas pernas. Um amigo que estava perto disse que o cachorro percebia meu receio e por isso quis avançar no meu sanduíche. 

Comecei a rir e pensei que 10 anos depois, tive que imitar meus filhos e levantar as mãos e não perder a comida para o cachorro. 

Diferentemente da reação que eu tinha com o Auinho, os latidos desse cão não me deram medo. Eu consegui até rir. Minha mulher filmou a ação do meliante canino me ameaçando. Mas vou preservar a identidade do criminoso. 

A verdade é que transformar o medo de cachorro em um mero desconforto é uma herança da minha relação com o Nick. 


Por isso e por todos os outros sentimentos que me despertou, espero que você esteja bem no “céu dos cachorros”, Nick. 

4 comentários:

  1. Eu, como tia e mãe adotiva do Nick, agradeço a homenagem.🐶

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  2. Ainda pior que a perda é quando a sua cadela tem filhotes e vc precisa doá-los!!!
    Passamos isso com a nossa saudosa labradora Mel

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