segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Creso, você defende bandido?



Perdemos o direito de ser caretas. Achar que o mundo segue num ritmo muito rápido e que você tem o direito de ser conservador. Essa postura saiu da lista de comportamentos desejáveis. Eu, por exemplo, não colocaria um piercing na língua. Apenas não demonizo quem usa.

Perdemos o direito de ser progressistas, de dizer que temos obrigação com o futuro das crianças, que o país deve ser justo e que o direito das minorias precisa ser respeitado. Não podemos nos expressar para defender que cada um forma a família como quer e ama quem seu coração mandar.  Ao falar isso, estou “defendendo bandidos” ou destruindo a “moral” e os “bons costumes”. 

O começo desse texto não é um passo em cada direção, nem significa um político em época de eleições acendendo velas a dois senhores.  

Na verdade é uma reflexão. Nesse mundo tão cheio de opiniões, posicionamentos e coletivos, corremos o risco de não poder dar nossas... opiniões. Isso se deve ao fato de que ninguém tolera a posição diferente. As redes sociais exacerbam essa patrulha de todos os lados.

Na ocasião do beijo entre Félix e Anjinho em “Amor à vida”, de Walcyr Carrasco, uma amiga deu parabéns à timeline dela. O motivo era que não houvera críticas à cena dentre seus amigos. Entendi o que ela quis dizer, mas acho que se houvesse comentários contrários, eles deveriam ser debatidos e conversados. Tudo com civilidade.

Eu já fui vítima desta patrulha. Numa ocasião, ao substituir o Roberto Canazio no Manhã da Globo, fiz um editorial criticando a ação de algumas pessoas no Centro. Cinquenta pessoas conseguiram pegar um menor infrator que estava praticando furtos na região. Eles amarraram o menor e o torturaram. Eu disse no ar que em vez de torturar, eles deveriam entregar o menor a um guarda municipal, para que ele fosse encaminhado a uma unidade correcional. Ao sair do programa, um amigo me disse: “Creso, o padeiro da minha rua estava ouvindo você e disse que agora a Rádio Globo defende bandidos “.

Se eu disser que a Lava-Jato deve investigar tudo e mandar prender  todo mundo que cometeu crimes, vou ser chamado de golpista. Mas se disser que para condenar e prender alguém é necessário ter provas irrefutáveis, vou ser chamado de petralha. 

Se eu criticar o Sérgio Moro por ter divulgado ilegalmente um grampo da ex-presidente Dilma Roussef e por abuso de poder, idiota vai virar a palavra mais doce que vou ouvir. Ao mesmo tempo, se eu achar um absurdo o pragmatismo do PT de negociar com o PMDB visando à próxima eleição, vou ser chamado de coxinha. 

Em muitas vezes as restrições de opinião nascem com boas e necessárias intenções. Ganhou proeminência o conceito  “lugar de fala”. Ou seja, para falar de uma situação devo vivê-la. Há tanto combate aos evangélicos por quererem o monopólio da verdade, mas queremos todos, em maior ou menor grau, esse monopólio. 

Vamos pegar como exemplo o jornalismo. É cada vez maior o número de jogadores comentando, apresentando e até fazendo reportagens nas transmissões esportivas. Os jornalistas desalojados dessas funções reclamam, porque os ex-atletas não passaram em bancos universitários e teoricamente não poderiam exercer a profissão.  Já os ex-atletas dizem que os jornalistas nunca entraram em campo e não sabem como é a realidade dos gramados e vestiários.  Parece que os dois lados reivindicam “o lugar de fala” do futebol, quando na verdade ele pode ser dos dois. João Saldanha e Washington Rodrigues são símbolos de que jornalista pode entender de futebol. Casagrande e Júnior são exemplos que ex-atletas podem ser bons comentaristas e se expressar muito bem. 

Há dois parágrafos poderia parecer aos apressados que eu defenderia os que acreditam ter o monopólio da fé, da verdade e da moral. Mas essa reflexão também os critica. 

Quando vejo o discurso obscurantista de pessoas que acham que a Bíblia foi escrita por elas, defendo um exame mais atento ao livro. Um bom conselho, se conselho fosse bom em nossos tempos, seria dar uma olhada no Novo Testamento.  Em João capítulo 8, versículos 1 a 11, Jesus protegeu uma mulher acusada de adultério. Ele aplaca a sanha moralista dos fariseus e não condena a mulher. 

Pregamos cada vez para nossas “igrejas”. Falamos para convertidos e ouvir o dissonante é proibido. O debate caiu em desuso. O gênero, a sexualidade, o credo, o time, a etnia e o partido do outro precisam ser exterminados. 

Essas visões totalitárias não permitem o enriquecimento das discussões pela ótica da divergência. O olhar “estrangeiro” aumenta o caleidoscópio. Dessa forma, novas imagens podem ser encontradas. Soluções criativas nascem da cacofonia das ideias. 

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