segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Quase não emplaco 1986







O mar estava muito agitado. Era 31 de dezembro de 1985. Eu tinha 14 anos e em plena era da imortalidade. Nessa época eu mergulhava da Pedra do Leme, jogava bola na areia e me sentia  o dono da rua.

Estava com meu amigo Luciano, que tinha a alcunha de Jacaré. Ele nadava muito bem, eu mais ou menos. O mar estava de ressaca, dei bobeira, cai numa “vala” e fui para o meio da arrebentação.

Jacaré estava comigo na água, não sei se acometido pela mesma bobeira que eu, ou se ao tentar me salvar, ficou em apuros. O fato é que, o chamado “sufoco” é uma das maiores sensações de impotência que tive na vida.

As ondas pareciam não parar de crescer. Elas estouravam cada vez mais distante. A areia estava ficando um lugar inalcançável. Jacaré me dizia para ter calma, mas eu comecei a entrar em desespero.

Numa manobra ousada, Jacaré conseguiu sair pegando um...” jacaré”. Eu não consegui. Confesso a vocês, desisti. Os batimentos cardíacos aceleravam e eu comecei a pensar em como meus pais sofreriam com a minha ausência. Sempre fui um pouco dramático, mas dessa vez o “bicho” era feio mesmo.  Acho que foi a primeira vez que entendi que a imortalidade física é falsa.

Quando meus devaneios impediam qualquer manobra para me salvar, ouço a voz do Jacaré. Solidário, ele voltou ao ver que eu não saíra. Sua voz me despertou do transe pré-entrega ao inevitável.

Jacaré me disse que não sairia sem mim da água. Disse que não tinha como dizer para os meus pais que me deixou no mar. Dois anos mais velho do que eu se sentia responsável pelo meu destino.

O medo me paralisara, não tinha ânimo para superar aquelas ondas. Jacaré começou a gritar comigo e me jogou numa delas.

Tomei o maior “caixote” de minha vida. Devo ter dados algumas cambalhotas. A força avassaladora do mar fez com que meu corpo passasse por posições que a física ainda desconhece.

Ao parar na praia, com a água na canela tinha areia nos meus cabelos, na sunga e acho até que em alguns órgãos internos. Sentei na areia e chorei. Quase não emplaco 1986.

Desde então passei a respeitar, ou acima de tudo, temer o mar. Como cantou o timoneiro/ filósofo Paulinho da Viola: “meu velho um dia falou, com seu jeito de avisar, olha o mar não tem cabelos que a gente possa agarrar”.

Continuei indo à praia, mas eu olhava para a água com aquele olhar desconfiado que tem quem já foi traído uma vez. Na verdade, a culpa não é só do traidor, o traído tem sua responsabilidade. No meu caso, a distração que me colocou em perigo. Só fui me reconciliar com o fascínio do mar três décadas mais tarde, graças a um irmão que Deus colocou na minha vida, Márcio Santos, que me falou sobre canoa havaiana. Mas isso é papo para outro barco, ou melhor, outro post.

Eu e o Jacaré nos afastamos. Nossas vidas seguiram caminhos diferentes. Já o revi algumas vezes nos últimos anos. No entanto, não sei se eu agradeci por ele não ter desistido de mim naquela manhã de 31 de dezembro de 1985. Valeu Luciano, eu já tinha desistido de mim, ainda bem que você não.

Um grande abraço.


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