quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Alerj, uma cadeia velha








Em maio de 2003 circulava pelas redações um e-mail apócrifo em que estavam descritas as supostas  atividades de uma quadrilha que atuava na Alerj. O estado vivia na esteira do Propinoduto, esquema de arrecadação ilegal montado nas inspetorias da secretaria Estadual de Fazenda.

Na mensagem apareciam os nomes dos “donos” de cada inspetoria. Tudo era descrito com o requinte de uma delação premiada. Havia nomes e quantias. Por exemplo, um deputado que já morreu seria “padrinho” de uma inspetoria na Barra. Por números de 2003, ele receberia R$ 150 mil por mês, dos quais metade iria para o chefe da quadrilha. Uma salva de palmas para quem adivinhar quem seria o chefe da organização criminosa na Alerj.

No fim do governo Benedita, a CBN queria que eu fosse setorista da Casa. Conversei com alguns parlamentares e assessores. Um dos diálogos mais emblemáticos foi com então deputado Hélio Luz. Ele fora foi chefe da Polícia Civil na administração de Marcello Alencar. Luz falou comigo desanimado e fez um desabafo. :”você sabe que eu sou policial. Pois é, minha vontade era chamar um carcereiro e prender todo mundo nesse plenário, transformar isso numa grande cela. Eu não saberia porque estava prendendo, mas todos eles saberiam a razão de estarem presos”.


Estamos falando de uma conversa de15 anos atrás. Especulações sobre a nababesca casa que Sérgio Cabral  em Mangaratiba eram recorrentes. As autoridades e os meios de comunicação se calaram. Quando ele e o cachorro voavam de helicóptero criticava-se, mas não se ia a fundo.

Todo mundo sabia que as administrações do PMDB eram um rolo compressor na Alerj, passava tudo que o governo queria e não passava nada contrário.

Caímos muito fácil na fábula do garoto de Cavalcanti, filho de um jornalista e de uma professora que chegou para devolver “carioquismo" ao Palácio Guanabara, limpando a área daquela gente “cafona” que vinha de Campos.

Quando Cabral chegou ao governo já tinha uma porção de esqueletos no armário, já agia como coronel, pedindo cabeças nas redações e desrespeitando repórteres que “ousavam” fazer perguntas desagradáveis a ele.

Nas eleições de 2006 tive um diálogo surrealista com uma pessoa que ficou muito próxima de Cabral nos anos seguintes. A frase dita por esse relevante personagem foi a seguinte: “até acredito que o Cabral vá fazer um bom governo, o problema é que tem uma hora que se leva grana do Picciani e isso é um absurdo”.

Então, mesmo sem conseguir provar,  os jornalistas sabiam, os políticos não envolvidos no esquema sabiam, as autoridades sabiam. O que me leva à triste conclusão que  fomos todos negligentes ou coniventes. O sério, competente e bem intencionado José Mariano Beltrame não percebeu essas movimentações no tempo que era secretário de segurança. Ele vinha da Polícia Federal, será que nunca ouviu nada sobre as suspeitas que recaíam em Cabral?


O esquema relatado no e-mail envolvia muita gente. Desde a bancada evangélica até a bancada da bola, mas como as investigações nunca foram adiante, não vou colocar a íntegra da mensagem aqui. Posso dizer que eu e meu amigo Alexandre Caroli tentamos muito confirmar, mas não conseguimos publicar.

A verdade é que o que escândalo deflagrado pela operação Cadeia Velha tem muitos anos. Dessa vez veio à tona a relação escusa dos empresários de transporte com deputados estaduais. Na verdade, se for investigar outros setores produtivos como postos de gasolina, comércio e indústria, a Polícia Federal vai encontrar mais coisa. O motivo é simples, os personagens conduzidos coercitivamente na operação da PF  atuam há varias legislaturas. 


No último domingo, li uma entrevista realizada no jornal O Globo pelos repórteres Marco Grillo e Juliana Castro com o coordenador da força tarefa da Lava-Jato no Rio, Eduardo El Hage. A matéria estava ótima, mas uma coisa me chamou atenção. O procurador revelou aos repórteres que um delator disse que tinha pena dos investigadores, porque o trabalho deles seria infinito.

Um dos personagens envolvidos na operação Cadeia Velha tem uma história pitoresca e reveladora. Essa foi na época que eu e Março Grillo trabalhávamos os no site SRZD, do Sidney Resende. No fim das eleições de 2008, a mulher do deputado Paulo Mello não conseguiu se eleger prefeita de Saquarema. O Marco descobriu que eles haviam fechado o centro social que mantinham na cidade. O posto trazia a inacreditável faixa: “Fechado por motivos de ingratidão”. (http://www2.sidneyrezende.com/noticia/20166/?p=4)  

Seria cômico, se não fosse trágico .Encerro este texto com essa prosaica história de uma cidade litorânea do Rio de Janeiro. Um exemplo do fisiologismo e da onipresença de alguns políticos em ocorrências desagradáveis para a população. Eles sempre ganham, mas quando o povo tenta dar o troco, recebe como resposta o fechamento do centro social. E nessa tragicomédia de erros ainda somos chamados de ingratos.


Dureza!

3 comentários:

  1. Resta a esperança que tardiamente algo está mudando.

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  2. Interessante saber que apesar dos anos, ainda pensamos da mesma forma.

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  3. É... Creso! A coisa toda é um festival de horrores. Suas colocações me ajudaram muito a entender toda essa nojeira, mais um pouco.

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