domingo, 26 de novembro de 2017

Carta de amor para uma bailarina








Filha, quando as coisas ficarem difíceis, quando você achar que estão beirando o insuportável, dance. As bailarinas flutuam. Ainda não inventaram nada melhor do que flutuar.
  
Ao ver você, confirmei que no palco as bailarinas se agigantam. Fora da ribalta, os rostos podem ficar tensos, a dor no pé, pobres pés, pode ficar evidente. E um observador desatento às vezes confunde isso com fragilidade.

 No entanto, isso é uma armadilha para pessoas inocentes. As bailarinas são super mulheres. No palco são uma explosão de força e técnica. Como aguentam o peso do corpo naquelas pontas do pé.?!

Filha, no meio do espetáculo fiquei me perguntando quem era aquela pessoa. Quando você deixou de ser aquela menina que acreditava que o achocolatado era trazido pelo vento. Você já tinha dado pistas ao fazer questão de ir e voltar sozinha da aula de balé. Acho que ao ver essa apresentação realizei que a criança ficou na minha memória. Agora entendo o significado da frase: ”nossa, está uma moça”!

É que pai precisa ver com os olhos da alma que a filha cresceu. Isso veio de forma mágica, prestando atenção em como você corre, abre espacate, pula, rola no chão e mantém o sorriso.

É um velho clichê, mas a bailarina vive num eterno “fio da navalha”. Tem que transformar a respiração ofegante em recurso cênico, fazer “carão” e seguir em frente.

Acho que a maior lição que aprendi vendo o espetáculo de dança da minha filha é que as bailarinas transformam a dificuldade em graciosidade. Filha, tem quem ache fácil dançar. A esses, recomendo tentar dar duas piruetas e se manter equilibrado depois. 

Toda vez que vejo você dançar me emociono. Tenho prazer em ver o prazer que você sente ao dançar. Não conseguiria guardar um só daqueles passos, imagine uma coreografia inteira. Balé é uma arte que une plasticidade, tenacidade e disciplina. 

Dança não é coisa de “mulherzinha”, balé é coisa de mulherão, mesmo que ela tenha 12 anos e menos de 50 quilos. A bailarina é uma forte, é destemida e pronta para brilhar. 

As bailarinas vão nos salvar da desesperança. Pois enquanto houver movimento, existe arte. Se existe arte, existe resistência. Se existe resistência, existe vida. 

Dos passos das bailarinas e dos bailarinos nascem os voos, os cisnes morrem com poesia, anjos caem do paraíso para ressurgirem sedutores, amores são coreografados e as dores superadas. 

A arte do movimento é acima de tudo uma arte do corpo. Baile com o corpo inteiro, filha. Entregue-se num solo pela vida, girando como se a lua estivesse ao alcance das sapatilhas. 

Filha, não pense que as palmas são o fim do espetáculo. Elas são o reconhecimento que você trabalhou certo, mas depois, sempre vai ter ensaio, bolha no pé e frio na barriga. A bailarina tem que fazer um “pas de deux” com a vida. Pois dançar é um dueto da dor com o prazer, do medo com a superação, da força com a sensibilidade.


Amo muito você.

8 comentários:

  1. Dei uma leve chorada, mas assim, nada absurdo hahahaha

    Que texto lindo, Creso. Sem mais.

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    1. Parabéns, Creso! E para Clara também! Sempre quis bailar, mas meus pais não entenderam. Parabéns para vocês que apoiam e compreendem o valor da dança!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Muito lindo. Plausos,👏👏👏👏Também sou mãe de bailarina

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