quinta-feira, 17 de maio de 2018

Tenha mais dúvidas, não tenha tantas certezas

Quem já foi a Paraty vai entender a metáfora. As ruas do centro histórico são feitas com um calçamento de “pé -de - moleque”. São irregulares e um convite para torções no tornozelo. No entanto, exatamente no meio, há um conjunto de pedras regularmente colocadas. Não entendo muito do assunto, mas me parece que são as pedras originais, que serviram de “guia” para assentar as outras. Logo, o caminho do meio é o mais “fácil”. No entanto, para visitar o casario e conhecer o que Paraty tem a oferecer, você deve andar pela incerteza das pedras irregulares. É compensador, mas nem sempre é confortável. 

Recebi um telefonema de uma pessoa muito querida e de fundamental importância na minha vida profissional. Contei-lhe detalhes sobre o que acontecera comigo na semana passada e da sensação de medo e impotência que senti. 

Como somos muito amigos, as lembranças sobre “os eventos cardíacos” ocuparam não mais que 30% da conversa. Falamos sobre política, assunto vívido entre as preferências dos dois. Contei-lhe sobre minha tese de que Fernando Henrique ainda pode ser candidato. E brinquei: sei que é uma ideia estapafúrdia”. Meu interlocutor me disse, nesse cenário atual, nenhuma ideia é estapafúrdia: “Nesse quadro, tenha dúvidas, não tenha certezas”. 

Então este texto tem um ponto de inflexão. Não falarei sobre política, como começou a sugerir o parágrafo anterior. Falarei sobre dúvidas e certezas. 

Não é um problema ter certezas. Ou seja, andar pelo meio do calçamento de Paraty.  As certezas são fundamentais para a nossa formação. Por exemplo, ter certeza sobre seus deveres ajuda a conviver melhor com as pessoas. Tenho certeza que devo dar aos meus filhos a melhor formação que conseguir, não só na escola, mas também na vida. Ensiná-los a ser justos e solidários. 

O jogo começa a ficar  embaralhado quando a subjetividade entra no campo das certezas. Às vezes o que é justo na minha mesa do café da manhã, não é o que você expressa enquanto passa o pote de manteiga para alguém do seu núcleo familiar. 

É aquela história, ensinamos aos filhos sobre meritocracia. Explicamos que o sucesso só vem antes do trabalho no dicionário e outras frases de autoajuda e motivacionais que circulam pelos Facebooks da vida. 

Mas como disse o médico Drauzio Varela em uma entrevista à BBC, a meritocracia não pode ser aplicada a toda sociedade brasileira. Para quem teve chances de estudar em boas escolas ela pode funcionar. Aplicar essa regra a quem no almoço tem preocupação se haverá o que comer no jantar, é cruel. 

Logo, essa palavrinha mágica, meritocracia, não pode ser uma certeza, um conceito universal. 

Nossos tempos exigem que sejamos cada vez mais “metamorfoses ambulantes”. São cada dia mais informações, novas tecnologias, aplicativos que controlam o sono, a hora de tomar remédio, os números de passos dados no dia, etc. No entanto, muitas vezes, desperdiçamos tudo isso com as certezas. Tendo “aquela velha opinião formada sobre tudo”. 

O que meu sábio amigo me disse foi tempere suas certezas com subjetividade e perceberá o quanto de dúvidas elas guardam. Ter muitas certezas nos faz ver o mundo em preto e branco. Impede-nos de enxergar os fatos por outros ângulos. 

Precisamos combater nossos egoísmos mais elementares, esse mal moderno da customização pessoal a todo custo. Eu quero buscar mais as convergências e aceitar as diferenças. 

Quero andar pelo calçamento irregular, com dúvidas sobre a integridade física das minhas canelas, sem perder de vista as pedras regulares do caminho. As paralelas regulares e irregulares da vida só se encontram por intermédio do nosso caminhar. Fazendo delas um complemento até o ponto inexato da chegada. 

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