domingo, 6 de maio de 2018

Às vezes nem o câncer é páreo para o amor

Zuenir Ventura escreveu um livro chamado Minhas Histórias dos Outros. Coisa de mestre. Acho que é a melhor tradução para explicar o ofício de um jornalista e de um escritor. Jornalista eu sou, para ser escritor ainda tenho que comer muito angu. Mas nesse desafio de escrever todos os dias, tenho que contar as minhas histórias e as dos outos também. 

A de hoje me foi relatado num encontro regado a cerveja, vinho, licor, carne e carinho, acima de tudo, carinho. Vou alterar os nomes, não foi um pedido dos personagens. Mas para quem viveu, os nomes pouco importam. Interessa-me pelo que a gente aprende com os exemplos. 

Paula é mãe de Amélia e Xavier, casada com Gustavo. É cercada de amigos, é mística e adora samba, neste sentido, professa uma religião: Mocidade Independente de Padre Miguel. 

Quando Xavier tinha sete meses, Paula percebeu um caroço no seio. Ela é uma pessoa informada e entendeu o que aquele caroço poderia significar. Fez os exames e recebeu a notícia. Aquela que entra gelada na alma, como a lâmina de uma faca cortando o dedo. Ela foi diagnosticada com um câncer, muito agressivo. 

Ao receber a notícia, Paula teve uma reação péssima. Foi para casa e pensou em morte. Conhecia muitos casos de pessoas na idade dela que perderam a batalha para a doença. E durante uma semana, a morte rondou seus pensamentos. 

No meio da morbidez e pessimismo, ela se preocupou com os filhos. Os dois ainda muito novos não saberiam quem fora a mãe. Ela seria apenas uma foto na estante. Os dois lembrariam dela em flashes, ou talvez nem isso. 

Pensou em Gustavo. Depois do luto ele seguiria a vida. Encontraria alguém. Essa pessoa cuidaria dos seus filhos. Paula é prática, aliado a isso, sentiu que poderia controlar o processo. A vida lhe devia aquilo. Afinal, estava saindo da festa cedo demais. O mínimo que poderia aceitar era uma compensação por isso. Escolher a sucessora no cargo de mulher de Gustavo e, por consequência, de figura central na vida dos filhos. 

Onipotente, começou a fazer uma lista mental para saber quem poderia ser a mãe de seus filhos na sua ausência. Ela tem muitos amigos gays, com certeza, seria a escolha ideal. Havia um problema. Gustavo é heterossexual. Logo, essa opção estava descartada. 

Começou a lista de amigas. Todas queridas, cúmplices e maravilhosas. Todas poderiam contar a Amélia e Xavier quem fora aquela mulher forte, inteligente, amante do samba e da vida. Mas não atendiam as expectativas para substituí-la. 

Olhou novamente para os filhos. Numa epifania entendeu quem poderia ocupar seu lugar. Ninguém a não ser ela mesma. “Eu me salvei por causa dos meus filhos”, conta Paula às gargalhadas. 

O desânimo durou uma semana. Ela foi com tudo para o tratamento. O médico avisou que a quimioterapia seria muito forte. Ela faria uma mamoplastia total e colocaria uma prótese. Além disso, perderia os cabelos. 

A preocupação de Paula novamente foi com os filhos pequenos. Como explicar a eles que ficaria careca? Pensou rápido e resolveu cortar o cabelo bem curtinho. Começou a cortar também os cabelos das bonecas de Amélia. 

Numa ocasião, logo após a primeira sessão de quimioterapia, resolveu dar uma caminhada. Colocou o boné e na volta ao tirá-lo da cabeça, viu ir embora o que restava de cabelo. 

Passados 2 anos, o câncer está curado. Amélia diz à mãe: “quero seu cabelo bem grande mamãe”. Por mais que a gente tente esconder e poupar, as crianças sabem das coisas que acontecem. 

Paula está ótima. A cada três meses, até completar 10 anos da retirada do tumor, terá que ir ao médico para saber se está tudo bem. Para aguentar a barra faz análise, controla o peso com a ajuda de um nutricionista e faz atividade física. 

Como qualquer pessoa ao receber uma notícia grave, pensou na morte e no fim. No entanto, escolheu lutar. Não apenas por ela, mas por Amélia, Xavier e Gustavo. Lutando pelo três, lutou por ela e venceu as batalhas mais difíceis. O resultado dessa guerra só sairá em dez anos. Até lá é muito chamego com Amélia, Xavier e Gustavo e muito samba com a Mocidade. 


5 comentários:

  1. Aí de nós se não fosse o amor. E sempre o melhor caminho.

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  2. Que belo conto. Parabéns! Qdo for possível, pede pra Paula te contar sobre um banho de cachoeira que teve que dar numa certa samambaia chorona... tenho certeza que dará um outro conto, no mínimo, engraçado.

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  3. Amei ler a história, emocionante, da Paula. Mulher guerreira da porra...

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  4. Como é maravilhoso ver um sorriso corado no rosto de Paula!!! Só quem viu aqueles lábios esbranquiçados,aquele semblante de náusea, sabe que a vitória está garantida!!!

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