quinta-feira, 31 de maio de 2018

Machado de Assis e os nossos dias

Estou reencontrando Machado de Assis. Por conta do mestrado, estou lendo o livro Memorial de Aires, escrito em 1908 é  o último livro de Machado. Ele morreu 4 meses após o lançamento da obra. 

O livro é escrito em forma de diário, e guarda impressões de Machado sobre a finitude da vida, saudades e memórias. 

Um trecho do diário do Conselheiro Aires, que muitos dizem ser um alterego do escritor me convidou a uma reflexão. Na passagem Aires escreve: “ Mas agora é tarde para transcrever o que ele disse, fica para depois, quando houver passado a impressão e só me ficar de memória o que vale a pena guardar”. 

Um amadurecido Machado repele a análise superficial dos fatos. A análise rápida. Aquela temperada pelas paixões e ardores do momento. 

Com essa passagem, o escritor parece contrariar as tomadas de posição sem reflexão. Em outra passagem do livro, ele reclama que as viagens de trem para subir a serra de Petrópolis tiraram a contemplação da época que se subia com a tração animal. 

Em seu último livro, Machado de Assis parecia querer que o tempo corresse mais devagar, talvez para aproveitar o que restava de sua vida. 

Por meio dos escritos do Conselheiro Aires, Machado de Assis já alertava para um dos problemas dos nossos dias: a velocidade, a ansiedade de acumular de um tudo. Acumulamos impressões e esquecemos de guardar o que vale a pena. 

O livro Sociedade do Cansaço, de Byung Chul Han, detectaras consequências do que a genialidade machadiana descreveu no começo do século passado. Cada época guarda doenças fundamentais. As dos nossos dias são o que Han chama de neuronais, como depressão e transtorno de déficit de atenção. 

Fácil de falar, difícil de fazer. Para continuar caminhando a contento, a solução é desacelerar. Dez entre dez médicos que fui nos últimos tempos receitaram: “tem que diminuir o estresse”. 

O angustiante é que o estresse é intrínseco aos nossos tempos. Na conversa que o Conselheiro Aires teve com o Desembargador Campos no trem para Petrópolis, o segundo destacava como se ganhou tempo com a modernidade. 

É isso, você quer um plano de internet com mais velocidade para ganhar tempo. Você quer um celular com mais memória para armazenar mais. Você acessa as coisas de forma tão rápida que não consegue se fixar nelas. Você guarda tantas fotos, que nem sabe que as tem, ou seja, as perde. 


E outro gênio da literatura, o argentino Jorge Luiz Borges, emula em Funes, o memorioso, o problema de nossos dias. O personagem não esquecia nada do que lia. Guardava tudo. Desta forma não hierarquizava os fatos. E ao juntar tudo no mesmo balaio, você só tem impressões e não guarda o que vale a pena. 

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