quarta-feira, 4 de outubro de 2017

A Lúcia vai chegar

A Lúcia vai chegar


Fui ao supermercado por volta das 10h da noite. Foi a parte que me coube no rol de tarefas da casa. Sou objetivo na hora de ir às compras. Claro, estou sempre subsidiado pela lista de compras preparada pela minha mulher, ok, vocês vão dizer que a objetividade do casal reside nela ao preparar a lista. Ok, vou concordar, mas eu executo a tarefa com objetividade, para não haver discussões.
Estava num supermercado em que não existe a pessoa que empacota.  Na reengenharia do varejo, muitas das redes de supermercado suprimiram esse profissional. Algo parecido com o que fizeram os  ônibus ao retirar os trocadores, ou como estão fazendo os shoppings ao colocar máquinas para cobrar estacionamento. Voltando ao supermercado, me deparei com Lúcia. Caixa do supermercado. Com olhar sensível de quem vê clientes o dia inteiro, percebeu que a minha falta de coordenação motora esticaria o turno de trabalho dela. Afinal já eram 21h55m e eu estava com o carrinho cheio. Lúcia sorriu e se compadeceu.

-Fica calmo, a gente coloca tudo direitinho nas sacolas, o senhor está cansado. Sei como é – me disse Lúcia ao ver que eu estava aflito para resolver logo a questão e seguir rumo a minha casa. Como ela me deu papo, quem sabe minha capacidade “tagarelícia” sabe que não costumo desperdiçar essas aberturas. Emendei logo a pergunta  - Onde você mora, Lúcia”? -  ela me respondeu, “Na Maré”. Acho que fiz aquela típica expressão de download (aprendi essa expressão com meus alunos e acho que ela cabe tão bem, que incorporei ao meu vocabulário). Perguntei  como ela fazia para ir de Botafogo até lá. Confesso uma certa vergonha, essa coisa de troncal pra lá e linhas novas de metrô pra cá embaralharam meus referenciais de transporte. Ela me explicou que pega um ônibus até a central e de lá pega um trem e depois outro ônibus. Ela me explicou: nessa hora é rapidinho, vou sair daqui umas 10h20m e chego lá antes de meia-noite.

Saí do supermercado pensando que o conforto da classe média me deixou medroso. A Lúcia se aventura pela noite numa região que segundo o Instituto de Segurança Pública é a  terceira área da cidade com maior número de homicídios, ficando atrás apenas da Pavuna e de Santa Cruz. Não perguntei a ela o que achou das mudanças nos nomes das ruas que o prefeito Marcelo Crivella fez na Maré sem consultar os moradores. Com uma canetada criou-se a rua da Adoração, do Otimismo e a Travessa do Perdão. Parece que o banho de loja prometido pelo prefeito na Rocinha começou pela Maré.

O prefeito é um homem instruído, e deve saber que por volta da década de 50 alguns gênios da comunicação tentaram abolir termos estrangeiros do nosso idioma. Nesse intervencionismo linguístico tentou-se que Pelé fosse um craque do ludopédio e que o Miguel Couto fosse um excelente nosocômio público. Claro que não pegou. Imagine a cara dos luminares ao se deparar com as palavras download e mouse fazendo parte do nosso vocabulário. Prefeito, nomes de ruas e bairros, expressões idiomáticas, festas populares fazem parte da cultura de um povo. Numa decisão arbitrária, o que o senhor fez na Maré pode até desmoralizá-lo. Outro aspecto curioso é que as ruas ganharam referências bíblicas, Éden, adoração... Seria mais uma vez uma demonstração do “fundamentalismo administrativo” que está sendo urdido na cidade.

Fundamentalismo que pode ser demonstrado no culto promovido no plenário da Câmara de Vereadores do Rio. Inalo Silva, não por acaso do partido do prefeito transformou o plenário do palácio Pedro Ernesto em palco de um ator carismático evangélico. Enquanto os vereadores cantam, o seu IPTU pode sofrer um aumento de mais de 50%.

Nosso prefeito "oi, sumido" quando aparece é pra dizer que no Rio a exposição "Queermuseu — Cartografias da diferença na arte brasileira”. não vai para o MAR (Museu de Arte do Rio) e sim para o "fundo do mar".  Meu Deus, além de tudo é ruim de trocadilho. Sugiro aos amigos que querem censurar a exposição que na próxima “Eurotrip” leve na mala um estoque de lixas e uma picareta. Comece pela estátua do David. Logo abaixo da barriga tem algo que você deveria "capar". Emenda na visita ao vaticano e dê uma lixada no teto da Capela Sistina, aquele Adão pelado é muito indecente. Vamos organizar um super boicote ao Michelangelo, só por essas obras dá para perceber que ele é um pervertido.

Um comentário:

  1. Nosso prefeito é realmente um traste. Haverão diversos motivos para lamentarmos a incompetência dele até que seja substituído nas próximas eleições.
    Quanto a exposição, censurá-la é um enorme equivoco, mas promovê-la também.

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