domingo, 15 de outubro de 2017

A grande aula

A grande aula

Duas pessoas caminham na mesma calçada, em direções opostas. Elas já se viram. Ao cruzarem baixam os olhares e seguem os respectivos caminhos. Você observa a cena. Essa situação era um reencontro, um desencontro, ou apenas duas pessoas se cruzando na rua?

O que dá sentido a isso é o contexto. Quem eram as pessoas, onde estavam e o que viveram até ali, até o momento daquele desvio de olhar ao se cruzarem. Sem essas informações a cena tem o significado que você quiser. Para os românticos otimistas um desvio de olhar que pode representar o futuro. Para os de coração partido, um desvio de olhar que fala muito sobre o passado. Para os pragmáticos eram duas pessoas se cruzando cotidianamente pela vida.

A vida é uma grande aula. Das grandes lições que você aprende está a de não recriminar o outro por ter um ponto de vista diferente do seu. Tento me desconstruir todo dia para não ter a leitura fácil e binária dos fatos, pois há vários aspectos que devem ser observados. Tento construir o diálogo e mediar conflitos para continuar a caminhada.

Sim, pensei na grande aula, porque hoje é dia dos professores. Há 15 anos sou um deles. Está registrado na minha carteira de trabalho, inclusive.

Há 15 anos faz parte da minha rotina, entrar numa sala de aula e ter os olhares voltados para mim. Amigos, ser professor é andar no fio da navalha. A primeira coisa é ter generosidade. Se você não deixar aflorar a generosidade que carrega, não consegue seguir na missão.

Eu costumo dizer aos meus alunos que a gente faz jornalismo com o que traz dentro da gente. Preconceitos, simpatias, antipatias, imperfeições e imprecisões. Árvores não são egoístas, seres humanos são. Dar aula é entender que o coletivo é mais importante do que o individual.


Aí reside, pelo menos para mim, a grande questão. O esforço para tratar igualmente a todos, mesmo gostando mais de uns do que de outros. Não adianta lutar contra um fato: afinidades e antipatias são da vida, mas mesmo dando aula com que trazemos dentro da gente, essas empatias não podem causar diferença no tratamento que você dá às pessoas.


Todo professor tem que entrar em sala de aula com a vontade de ensinar e de aprender. Acho que a aula é um lugar de debate, de crescimento. Não cabe mais aquele cara que chega, despeja uma porção de conteúdo, faz chamada e vai embora.

Aliás, sei que sou um privilegiado. Recebo em dia, dou aula com todos os recursos disponíveis. Minha solidariedade aos professores, que além de sobreviver, estão sujeitos a ameaças dentro e fora da sala de aula. Esses, amigos, são heróis.

Já tive uns 3 mil alunos, muitos são pais e mães. Alguns fazem sucesso no jornalismo, outros no teatro, no cinema e na televisão. Tem gente que  não está mais aqui. Um dos que partiram me deu uma ideia que estou perseguindo e ainda vou conseguir realizar regularmente.

O Guilherme Marques, uma das vítimas no voo da Chapecoense, me disse com aquele jeito carinhoso e sorridente: “faz assim, no final de todas as aulas conta uma das suas histórias, a gente adora essa parte”. Estou tentando fazer isso Guilherme, estou tentando.

Tento ser um mosaico composto por pedacinhos das milhares de histórias que acompanhei na sala de aula. Aprendo com uns, para ensinar a outros, com quem também aprendo, para ensinar a outros... Caminhando sempre, porque quando a gente para é hora de partir.

Além do que, ser professor tem seu lado de poesia: Há sempre um quadro pronto para ser preenchido, tem sempre a busca utópica pela grande aula a ser dada.

2 comentários:

  1. Parabéns aos professores - resistentes e missionários!

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  2. Excelente!!! Parabéns, Mestre!
    Nem todos os professores pensam ou agem assim. Por cansaço, desilusão, parcialidade. Pena... Atualmente,não estou docente, mas, como orientadora, serei sempre Professora.Abs

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