segunda-feira, 9 de outubro de 2017

A aventura de dirigir

A aventura de dirigir





Fiz a prova de direção mais de uma vez. Aos 30 anos, quando casei, não tinha carteira de habilitação. Minha mulher disse que estava cansada de dirigir sozinha e me convenceu que eu tinha que acabar com aquela espécie de analfabetismo. 

Aquele ano de 2001 já era um ano de mudanças, logo, resolvi passar por mais uma. Tinha acabado de casar e agora ia aprender a dirigir. A falta de perspectiva de ter um carro adiou o desejo pela carteira. Além disso, andava de bicicleta e de ônibus. Achava que estava tudo resolvido. 

Iria tirar a carteira com novas regras do Código Nacional de Trânsito. Tive que fazer inacreditáveis aulas teóricas antes de me qualificar para o exame prático. O resultado foi melhor do que o esperado. Lembro-me de ter sido o único a gabaritar a prova teórica na minha autoescola. Não é nada, não é nada, não é nada mesmo. 

O que interessava era aquela prova prática. Estava muito bem nas aulas. Meu professor me dava o benefício de passar a quinta marcha. Estava dirigindo como se fosse um profissional. O Ayrton Senna redivivo. 

Claro que meus companheiros de trabalho acompanhavam as aulas e acabei sofrendo toda espécie de bullying. Diziam que os postes da cidade deveriam ser revestidos de plástico, que os examinadores deveriam me reprovar previamente. Que eu seria um risco para a população do Rio de Janeiro e todas as brincadeiras possíveis, além das impossíveis, é claro. 

No dia da prova fui tranquilo. Minha mulher me levou para que assim que eu fizesse o exame fosse embora. O instrutor da autoescola me chamou e disse: "Faz a prova primeiro. Você vai ser aprovado e passar confiança para o resto do pessoal. Enchi-me de orgulho e fui lá resolver logo aquela formalidade. 

No entanto, a formalidade tinha o nome de baliza. Ao entrar no carro, meus joelhos ganharam vida própria e resolveram se encontrar freneticamente, mais do que os joelhos de um sambista. Vou contar o resultado dessa rebelião corporal pelo diálogo da minha mulher com o instrutor:
- Agora eles saem do carro no meio da prova?
- Não, ele foi reprovado mesmo. 

Fui ferido em minha autoestima. Eu que seria o esteio da turma, fui inapelavelmente reprovado. Perdi a batalha para os meus nervos e teria que pagar outro Duda, fazer outras aulas práticas e me preparar novamente. Só não precisaria refazer a prova teórica, pois afinal, tinha tirado 10 nela. 

Passado todo ritual burocrático, estava eu novamente no que era o Autódromo do Rio (onde muitos dos leitores se divertiram recentemente no Rock'n Rio e nos jogos olímpicos). Bom, estava decidido a fazer tudo diferente. Disse a minha mulher que ela ficaria em casa. Eu iria e voltaria com o carro da autoescola.  Chegando lá avisei ao instrutor que seria o último a fazer a prova. Mudei todos os procedimentos para ter um resultado diferente. 

Chegara minha vez. Fui caminhando, enchendo-me de coragem. Eu iria domesticar aquela máquina. Controlá-la e deixá-la mansa e obediente. O automóvel não me derrotaria novamente. 

Entrei no carro e a baliza foi vencida com total tranquilidade. Agora sim, não tinha jeito, passara pelo mais temível inimigo. 

Troquei de avaliador. Fui até a outra estação. Dei bom dia para a nova fiscal, sorridente e confiante passei a primeira, quando fui interrompido. "Menos um ponto, você não me esperou colocar o cinto”. Nisso tirei o pé da embreagem com o carro engrenado. O veículo saltou e o motor morreu inclementemente. "Menos um ponto por deixar o carro morrer". Estava lascado. Tal como um time que dispara na tabela de classificação e começa a tropeçar, perdi todo lastro e confiança. Minha prova não acabaria bem. 

Fui para a faixa de rolamento. Tinha que fazer um retorno e vários carros provocavam um congestionamento. Sem confiança não conseguia fazer o retorno. A examinadora me disse: "vai logo". Nervoso, eu fui. Claro, um carro vinha a toda quase me acerta a traseira. Até a troca de examinadora tinha um longo trecho. Eu poderia então melhorar meu desempenho. Então engatei a primeira marcha, com o carro pedindo arrego, passei a segunda e então... A primeira novamente. O carro deu um solavanco. A examinadora me tirou mais um ponto. Mandou que eu encostasse para troca de fiscal. Para piorar minha situação, o local da troca era esburacado e eu caí em TODOS os buracos. 

Ela sai do carro me praguejando, dizendo que eu não tinha a menor condição de dirigir, de fazer aquele exame. Ela encontrou a colega que continuaria minha avaliação e gesticulava horrores. Quando a terceira avaliadora entrou no carro me disse: "você deixou minha colega bastante nervosa". 

Ela me aconselhou a irmos com calma. Então lá fui eu, com a autoestima em frangalhos. Voltei à rua para completar o circuito. A terceira examinadora se compareceu pelo meu estado. E fez um tutorial para que eu acabasse a prova. "Vamos, engate a primeira, agora a segunda, ligue a seta"... Nisso surge uma blitz! Isso mesmo, no meio da minha prova de direção tinha uma blitz! A examinadora me acalmou e passamos por esse obstáculo. 

Quando chegávamos, ela me disse: “não faça nenhuma besteira agora. Se fizer na frente dos outros fiscais vou ter que reprovar você”. Finalizei a prova e ela me disse: "Pronto. Você passou". Dei um beijo nela, agradeci e saì vibrando com a minha conquista. 

Hoje dirijo direitinho. Baliza nunca mais foi problema. Quer dizer, nos primeiros meses até foi. Mas essa saga do meu começo como motorista, contarei em outros posts. 


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