terça-feira, 10 de outubro de 2017

Minha manhã com Fidel

Minha manhã com Fidel




O jornalismo me deu oportunidades maravilhosas. Uma delas foi estar numa entrevista coletiva com Fidel Castro. Um dos mitos da esquerda do século 20. Herói para muitos, vilão para um número parecido. Fidel provocava tretas muito antes do termo ganhar a força nessa era da pós-verdade. 

Era um evento chamado Cimeira, uma reunião de cúpula diplomática. Aliás, nem me lembro qual foi a grande decisão que o mundo tomou naqueles dias no Rio. Recordo-me que para um integrante da delegação alemã o evento nem começou. 

Apos cumprir o tradicional roteiro nas boates eróticas de Copacabana, regado a muito álcool, o homem se envolveu num acidente horrível na Avenida Atlântica e morreu. Como já disse, eu era o repórter das 6 da manhã e fui lá cobrir a tragédia. Embaraço diplomático! Um segurança alemão de 4 metros de altura agrediu um repórter que fazia a reportagem. Um horror em todos os aspectos. 

No meu tempo (nossa, essa soou velha) a gente saia da redação com pelo menos duas pautas. A primeira foi essa, a outra foi a entrevista com Fidel Castro. 

Fidel era notícia. Não importa o que fizesse. Uma espécie de clã Kardashian com menos dinheiro e mais significado histórico. Era um bicho exótico que conseguira sustentar um regime comunista provocativamente ao lado do EUA. Ah, nem vou entrar nessa discussão do herói ou vilão. Não é o objetivo deste post. 

Ele tinha um encontro com o presidente de Governo da Espanha e depois receberia os jornalistas. Não sei se erro do Itamaraty, ou da própria delegação cubana, o fato é que a coletiva se desenrolou numa sala apertada, com o líder cubano em pé. Cercado por câmeras, microfones e gravadores de todo o mundo literalmente. 

Todo mundo apertado, seguranças em tudo que era lugar e o de vai parar o repórter de radio que cobria o evento? De frente para "El Comandante". Um detalhe a adicionar: eu estava ajoelhado. 

Deixe-me explicar uma coisa para os "milenials". Existia um negócio chamado gravador de fita K-7. A gente botava uma fita que tinha no máximo 90 minutos para gravar. No meio, ou seja, com 45 minutos, você tinha que parar a gravação e trocar o lado da fita. Havia uma versão com 60 minutos, que para o meu azar eram as que eu levava naquele dia. 

Por que azar? Porque a entrevista do Fidel Castro demorou 3 horas e meia. Ou seja, 210 minutos. Para os que são de humanas, tive que fazer 6 trocas de lado (se você acha que foram 7 é porque você é de humanas mesmo). 

Ajoelhado, na frente do Fidel, com o gravador na direção dele durante 3 horas e meia. Se você leu essa frase e não gostou, espere o restante da história. 

Um cinegrafista gringo começou a me bater e chutar a minha perna. O acúmulo de ácido lático nos meus braços era outro adversário a ser vencido. Mas fui guerreiro e consegui sobreviver à entrevista com Fidel. 

Vou confessar uma pequena perversidade. Quando Fidel encerrou a entrevista e ficou aquele alvoroço característico, dei um pequeno esbarrão com o cotovelo em partes, digamos assim, delicadas do cinegrafista que me chutou durante a coletiva. "Wild Journalism". 

Lembro-me de ter ficado impressionado com a aparência de Fidel. Esperava um soldado com a pele curtida. Talvez em Sierra Maestra o fosse, mas ali naquele hotel de Copacabana parecia ser um senhor. 

Foi uma aventura. Não teve nenhum grande furo, tampouco uma declaração histórica do líder cubano. Foi mais um dia de batalha na vida do repórter. Só que desta vez o repórter ficara a menos de um metro da História. 

2 comentários:

  1. Nunca imaginei que você conseguisse ficar 15 min ajoelhado. Inocência sua acreditar que Fidel falaria pouco.
    Dia histórico.

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