terça-feira, 3 de outubro de 2017

O primeiro Creso da Cruz

Poesia de quarta

"Nessa vida há aqueles que apenas envelhecem. Tem aqueles que não sabem envelhecer. Há também os que sabem envelhecer. Mas há ainda os que esquecem de envelhecer. Aos últimos chamamos de poetas". 

São Ptolomeu, num arroubo poético ao constatar que a tintura de cabelo não estava mais dando jeito. 

O primeiro Creso da Cruz





Ontem eu falei sobre as agruras de ter um nome diferente. E hoje vou falar do causador dessa celeuma toda. Meu pai, o primeiro Creso da Cruz. Hoje, dia de São Francisco de Assis, ele completaria mais um aniversário. 

Seriam 106 anos. Entre nós, ele ficou 85. Em julho fez 20 anos que ele saiu de perto dos meus olhos. De dentro de mim, jamais sairá. Lembro que eu estava fazendo uma reportagem quando ele partiu. Não tive tempo de me despedir. 

Na noite que antecedeu o enterro, sonhei com ele. Lembro-me de ter falado a ele que me dera um susto, tentei um diálogo, mas ele não me respondia, só sorria. Não sei o credo de quem está lendo esse texto, mas acredito firmemente que ele apareceu só para se despedir de mim. 

Depois de 20 anos, só consigo lembrar-me de passagens em que meu pai sorria. Ele contava piadas sem graça, fazia trocadilhos infames e me contava História do Brasil. Penso em como meu filho se parece com ele nesse sentido. Meu pai era um arquivo vivo, um slogan de Repórter Esso (testemunha ocular da história) viu a revolução de 30, a primeira queda de Vargas, a vitória nas urnas do velho caudilho e o suicídio da lenda política. Testemunhou a renúncia de Jânio, o golpe de 64 e a redemocratização. Era getulista, janguista e brizolista. Adorava discutir política comigo. Minha contribuição foi ser um filho único e temporão, além de ensiná-lo a ver futebol. Transformei um botafoguense apático num rubro-negro tímido. O que não se faz pelos filhos!

Foi meu herói, um gigante de 1,49 m.  Quando a noite parece mais pesada e o ar beira o irrespirável, lembro que ele começou a vida com uma poliomielite e terminou com Parkinson. E nesse intervalo não esmoreceu. Divertiu-se, contou piadas, amou, foi generoso e sorriu, acima de tudo, sorriu. 

Já escrevi isso em alguma encarnação passada nessa jornada de ter blogs, mas é sempre bom reiterar. Quero ser para meus filhos metade do que ele representa pra mim. Ele me ensinou que a vida é caminho, é chegada, é partida, é movimento... Ele vestia seu melhor sorriso, não reclamava e seguia. Um dia cansou, parou de respirar calmamente e foi habitar os meus sonhos. 

Lamento algumas coisas. Ele era ouvinte de rádio e me acompanhou muito pouco quando eu ainda estava na Radio Tupi. Outra coisa foi que ele não conheceu minha mulher, o neto que herdou dele um dia 4 no nascimento e o gosto por piadas infames. A neta, por quem ele seria apaixonado, é libriana como ele. 

Meu pai era quase 60 anos mais velho do que eu, por isso, cresci com o fantasma que ele poderia ir “cedo”. Essa “ameaça” natural fez com que eu sempre deixasse claro o quanto eu o amava. Dizia tanto, que devo até ter enchido o saco dele. Não queria que quando a hora chegasse, ele não soubesse o quanto era amado e como era importante. Acho que fiz bem, não tive tempo de falar com ele no dia da partida. Na foto que ilustra esse post ele estava com 65 anos e eu com 5. Eu estava de "bico" por alguma bobagem. E quando isso acontecia, ele me colocava no colo e me contava alguma história. 

Nunca perca a oportunidade de dizer a alguém o quanto ele é importante para você.  Faz mal à saúde da alma deixar  palavras pelo meio e frases incompletas. 


Pai, vê se aparece para um café. A gente joga um dominó, você me conta uma piada ruim. Eu vou fingir que não achei graça para fazer gênero. Você sabe como me encontrar, é só aparecer por volta das duas e meia da manhã. Nesse horário estou quase sempre dormindo e sonhando. Sua presença é mais que bem-vinda. Te amo. 

22 comentários:

  1. Super emocionada!!! Creso a origem com muito amor!

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  2. Vc sempre vai morar no meu coração, com qualquer nome. Vc pratica poesia no seu jeito de viver e isso é sublime e divino. Prossiga assim. Bj

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  3. O seu pai fala com os netos através de você. É ligação que não se desfaz.
    Quem conhece bem o Creso filho, sabe que é, em muitos sentidos, o espelho do
    que vê no Creso pai
    Te amo

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    1. Obrigado. Te amo, por você, pelos nossos filhos e pela nossa vida.

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  4. Amigo, tenho certeza q ele está sorrindo para e por você agora. Forte abraço

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    1. Muito bom! Não conhecia seu blog mas já era fã de suas postagens no Facebook. Exceto as de futebol, não curto,apesar de flamenguista.

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    2. Belas e emocionantes lembranças, Cresinho. Meu querido e saudoso avô paterno também se chamava Creso. Esse texto foi um presentão.

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    3. Valeu, Renato. Precisamos tomar um chopp.

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  5. Fantástico!!!
    Emocionante!!!
    Simplesmente amor

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  6. Bom dia, Soares. Simplesmente emocionante. Deus te abençoe. Abraço, Toninho Bondade

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  7. Me emocionei muito Creso!!
    Ele está bem e contigo!
    Bjo grande

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    1. O comentario anterior é meu... Fiz alguma coisa mal que não saiu minha identidade.
      Ellen

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    2. Obrigado, Ellen. Também me emocionei escrevendo. bj

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  8. Chorei só um pouquinho (mas não conta pra ninguém!)

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  9. Bom ter um pai assim e, principalmente, um amigo sensível que divide a história!

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  10. Maravilhoso! Adorei as emoções e palavras!!!

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  11. Muito lindo e emocionante. Parabéns pela sensibilidade!

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