sábado, 28 de outubro de 2017

Indo para a bandeja





                                                      


Escrevo nesse momento com uma compressa de gelo na panturrilha direita. Sim, a massa gorda que se solta no ar num arremesso na foto acima, sou eu. Ao aterrissar depois de alguns saltos e tentativas com o aproveitamento de 0,001%, senti a panturrilha, ou melhor a velha e boa batata da perna. 

Tudo começou assim: resolvi fazer “uma presença” e bancar o pai descolado e desportista. Depois de 52 dias conturbados, acordei cedo, tirei o adolescente da cama e disse, vamos nessa.

Tentei fazer com que meu filho Pedro fosse um amante do nobre esporte bretão. Dei bola, uniforme, coloquei para ver todos os jogos do Flamengo, mas ele se apaixonou pelo New York Knicks. Consegui que ele tenha uma torcida cordial pelo Flamengo, mas paixão mesmo ele tem por cestas, assistências, passes e tudo que diz respeito ao basquete. Mais especificamente à NBA. Quando saíamos de casa, comentei que um aluno, o Gabriel Queiroz,  de 21 anos, também torcia pelo Knickcs. Meu filho me disse: “Até agora não sei porque escolhi o Knicks”. Para quem não sabe, o Knicks é uma espécie de Botafogo do basquete americano. Tem tradição, simpatia mas a maior relevância foi no passado, tanto que o último título é de 1973. Pronto, agora vou despertar a ira desportiva. Tá bom, o Botafogo está fazendo um papel bonito este ano. 

Chegando ao clube pensei: “Não deve ser tão difícil. É só jogar a bola pra cima, mirar certinho que ela entra”. Ledo engano. Se você não começou a jogar basquete na infância/adolescência, dificilmente vai dar “pra saída” na pelada do basquete. Amigos como Carlos Eduardo Eboli, Glauco Paiva e Eduardo Compan são peladeiros de basquete e podem atestar o que estou falando. Aliás, nem sei se no basquete o termo é “pelada”.

Aí, para não ficar só naquele café-com-leite de arremesso, fomos fazer um contra um. Amigos, ele tem menos da metade do meu peso. Eu não conseguia nem ver por onde ele passava. Batia a bola por entre as pernas, fingia que ia para um lado e ia para o outro. Não tenho nem condições de dizer se ele joga bem ou não. Sei que ele joga e eu não.

Quando aquele garoto que com dois dias de vida estava no meu colo vendo um jogo do Flamengo, se transformou naquele cara do meu tamanho, de voz grossa e bigodinho começando a ficar proeminente? Convenientemente, melei a partida e nem sei de quanto a “ZERO” foi o “sacode”. Na parte final do “treino”, começamos a posar para fotos e saíram os instantâneos que ilustram esse texto.

O tempo passa e a gente perde a referência dele. Nessa construção de segundo a segundo que é a vida, a gente tem que dar um tempo para ver o que acontece com a gente e com aqueles que amamos e estão ao nosso redor. Nessa semana encontrei uma aluna que não me via há 5 anos. Ela me disse: “você não mudou nada”. Agradeci incrédulo, desconfiando que ela foi apenas  gentil. Na verdade, eu sei que mudei muito. Ela se referia à minha aparência. Talvez externamente tenha mudado pouco. Os cabelos rareiam e ficam brancos num ritmo obsequioso, o que pode disfarçar um pouco esse envelhecimento inexorável. Internamente, não sou a mesma coisa que ontem, imagina do que há 5, 10 anos.

O fato concreto é que não é fácil jogar basquete.  Não podemos ver algo que os outros fazem bem e achar com um reducionismo impressionante que a competência adquirida por uma pessoa vai ser absorvida por nós com um simples olhar. Há pouco fui fazer uma prova e me saí relativamente bem. Antes do resultado, eu preparava uma desculpa fácil para o fracasso dessa etapa e disse: “Só me preparei por 15 dias”. Minha tia Nelly, de 87 anos, lúcida inquieta e escritora  me corrigiu: “Você está se preparando há 46 anos”. Pois é, para prova sim, mas para o joguinho de basquete com meu filho não. Enquanto escrevia, a compressa de gelo perdeu o efeito. A panturrilha está doendo menos, mas o incômodo persistente me lembra das limitações e das dores como efeitos menos afetivos da passagem do tempo. Em compensação, o riso debochado do meu filho ao passar por mim como quis na pelada mostra-me como é bom que o tempo passe.


5 comentários:

  1. Mais um grande texto de um cara fantástico, inteligente e de quem me orgulho de ser amigo.
    Vc nunca fez parte do nosso time no Cefet, não domina a bola quicante, mas as palavras.
    Os filgos são nosso maior legado e chega uma hora que tornam-se os atores em destaque mesmo.
    Subjulgamos algumas atividades e competências, o importante é percebermos nossas limitações e qualidades e aprender como usá-las.
    Nem sei se meu texto faz alfum sentido... Kkk

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  2. O bom de ler este artigo é traçar um paralelo com a realidade de quem lê.
    Sobre as consequências do racha, minha surpresa foi não estar sentindo o joelho, Este sempre foi a sua criptonita. O spray ice/hot é surpreendente neste tipo de problema.

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    1. Paulinho, também um amigo da vida inteira. Obrigado pelo privilégio da leitura e pela dica de spray.

      abs

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  3. Haha... belo texto! Como jogador de basquete, vc é um ótimo cronista.
    Fez lembrar uma vez que meu pai, exímio goleiro, tentou jogar basquete comigo. Pela foto do arremesso, vc se saiu melhor, Creso. Pro meu pai, a técnica pra chutar de 3 era igual à do goleiro fazendo a reposição pro lateral esquerdo, pouco antes do meio de campo. Eu deveria ter recolhido aqueles tijolos pra construir um abrigo pra crianças carentes... Mas valeu a pena: foi um dia de pouco suor e muitas risadas.
    Bom saber que o Pedro está recuperado e que, depois desse esforço, seus joelhos e tornozelos de 46 anos resistiram bem. Panturrilha é o de menos. Melhoras!
    Abração

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