sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Tropeços e gargalhadas



Essa semana o jornalista Everson Passos morreu. Ele foi meu contemporâneo na CBN, apesar de nunca ter encontrado com ele pessoalmente, nos falamos muitas vezes quando eu entrava no ar. Aqueles relacionamentos possíveis em emissoras em rede. Você conversa no ar, mas a rotina de trabalho inviabilizava o contato com os profissionais de outras praças. Everson ancorava programas em folgas e fins de semana. Uma das minhas “audiocacetadas” mais engraçadas teve o Everson como participante involuntário.

Transcorria a Bienal do Livro, salvo engano, no ano de 1999. O evento era grande, mas ainda se conseguia andar com calma e abordar os autores sem o esquema das assessorias. Andando pela feira, encontrei o escritor e jornalista Eduardo Bueno. Peninha, como é conhecido pelos amigos, estava lançando o terceiro livro da sua exitosa série “Viagens do descobrimento”, sobre os 500 anos da chegada dos portugueses à América.

O livro se chamava “Náufragos, traficantes e degredados”. Fiz aquele conversa prévia, dei uma apurada e me preparei para entrar com o entrevistado. No estúdio, Everson Passos comandava o CBN Brasil, substituindo o Hermano Hening, pois era feriado.

Vamos lá, era a CBN no fim do século passado. Ok, essa frase foi a tentativa de dar algum caráter clássico e histórico à vulgaridade do jornalismo. Mas digamos que era uma CBN mais engravatada, como se dizia na própria emissora. Mais rígida, com menos espaço para a informalidade.

Everson chamou: “Vamos ao Rio de Janeiro, o repórter Soares Júnior está na Bienal do Livro. Boa tarde Soares”

“Boa tarde Everson Passos, a Bienal do Livro está no dia x. Os cariocas estão aproveitando o feriado para vir ao RioCentro na Zona Oeste do Rio”. Atire a primeira pedra o jornalista que não teve que fazer matéria fru-fru e usou jargões batidos para compor seu texto. “E o escritor Eduardo Bueno conversa agora aqui na CBN. Ele está lançando o terceiro livro da série viagens do descobrimento. Esse volume se chama nrau..mrauf, nrouf...” Olho em busca de auxílio e encontro Eduardo Bueno prostrado na minha frente de tanto rir. Amigos, eu tinha caído na piada. Colocar um nome trava-língua no livro só podia ser piada e eu fui uma vítima nobre, errando ao vivo na maior rádio jornalística do país.

Recompus-me. Com galhardia reconheci a queda e não desanimei. Dirigi-me a Eduardo Bueno e emendei: “Eduardo Bueno, diante de minha total incapacidade, você poderia dizer ao ouvinte da CBN o nome de seu livro”.

Rindo, ele disse e a entrevista foi agradável, divertida e bem-humorada. Muito mais por ele, do que por mim, claro. No fim, para arrematar eu falei: “obrigado, Eduardo. Conversei aqui na CBN com o escritor Eduardo Bueno, que está lançando o livro...” coloquei o telefone para que ele dissesse “Náufragos, traficantes e degredados”. Rimos e encerrei.

Ao acabar, agradeci e me desculpei com o escritor que foi muito gentil e se divertiu por ter pego o incauto jornalista.

Conhecendo os bastidores de um estúdio de rádio, devo ter proporcionado boas gargalhadas ao Everson Passos. E numa entrada aleatória, de um repórter iniciante e obscuro, espero que, mesmo involuntariamente, tenha dado algum motivo para o Everson Passos sorrir. E daqui devolvo a transmissão para você, Everson. Siga dai, de onde você estiver.

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