Lembram dele? Marcinho VP, aquele que
a produção do Michael Jackson teve que pedir permissão para gravar um clipe no
Santa Marta. Aquele Marcinho VP que foi tema do livro Abusado, do Caco
Barcelos. O mesmo Marcinho VP, que por conta de uma ajuda financeira recebida,
quase coloca em maus lençóis o cineasta João Moreira Sales. Pois é, joguei bola com ele muitas vezes.
Morei dos 5 aos 30 anos na rua Dona Mariana, em Botafogo, a três
quarteirões do Santa Marta. Estudei na escola municipal Joaquim Nabuco até a
sétima série. Por isso conheci alguns dos cidadãos que chefiaram
tanto o Santa Marta, quanto o Tabajaras. Os conhecia pelos nomes, não pelos apelidos divulgados nos
jornais. Alcunhas que assustavam a classe média como os grandes vilões da sociedade.
Não posso dizer que fui amigo deles, mas convivi até uns 13,
14 anos. Depois minha família achou que eu deveria mudar de escola e acabei
perdendo o contato. Como muitos que me conheceram naquela época, Marcinho VP me
chamava de Juninho, já que Creso era meu pai.
Um dos meus grandes amigos de infância, o Paulinho, se mudou da casa de
cômodos em que morava com a família na Dona Mariana. Ele foi morar no Santa Marta.
Isso me aproximou da galera do morro em que mais tarde se
fundaria a primeira UPP.
A divisão geográfica era mais ou menos assim, o pessoal do Santa Marta ia em sua maioria para
a Escola México, na Rua da Matriz. Já o pessoal dos Tabajaras ia para a
escola Joaquim Nabuco, na Dona Mariana. Como eu morava na rua da Joaquim Nabuco,
acabei estudando lá da primeira à sétima série. Por isso eu convivia com o
pessoal dos dois morros e nunca tive problemas com isso.
Sem saudosismo fascista, mas me entristece muito ver o episódio de um
garoto de 9 anos ameaçar os colegas com uma faca numa escola pública do Rio. Na
minha época a gente chamava professor de “senhor” e “senhora”. Esse comentário não é um juízo de valor
preconceituoso com a escola pública, pois o ataque em Goiânia, em que um menino
matou dois colegas e feriu quatro, foi realizado numa escola particular. O
problema é mais dos nossos tempos, do que de classes sociais. A verdade é que nunca tive problemas com essa rapaziada. Confesso que
nunca me sentia inseguro andando por Botafogo.
A ideia de escrever este texto veio numa conversa com minha mulher. Ao
comentarmos a situação surrealista que o Rio vive, com as mais altas
autoridades envolvidas até o último fio de cabelo em corrupção, ela fez a
piada. Você jogou bola com o Marcinho VP e mal sabia que ele não seria o
pior bandido que você iria conhecer.
É verdade. Amigos, sou da geração de jornalistas que entrevistou todos,
eu disse todos, os caras que estão presos em Benfica. E sim, eles são bandidos
muito piores do que o Marcinho VP.
Eu convivi profissionalmente com Picciani, Paulo Melo, Rosinha, Sérgio
Cabral, Sergio Cortes, Regis Fichtner. Na época em que ocupou a presidência da
Alerj, Cabral conversou comigo até sobre amenidades. Ainda lembro quando ele triturou Denise Frossard no debate da CBN nas eleições para o governo do Rio em 2006.
Ele se dirigiu a um grupo em que eu estava e disse: “ganhei
esse debate, ela não tem a menor condição de governar o estado”. Dez anos depois
entendi o que ele estava querendo dizer. A ex-juíza era honesta demais.
Não sei precisar quantas exclusivas fiz com Garotinho, andando até no carro oficial para entrevistá-lo. Já falei da vez em que ele me
chamou de “gordinho”. Fiz tanta matéria com ele que cheguei a ser convidado a trabalhar em sua campanha.
No entanto, meu “sentido aranha” apitou (por favor, leiam os quadrinhos da
Marvel se não entenderam) e eu recusei. No fim daquele ano, a Polícia Federal
encontrou uma montanha de dinheiro vivo no escritório de sua campanha. (Claro,
nada nem parecido com a grana encontrada no bunker do Geddel).
Na boca do povo sempre correu a expressão “peixe grande” para falar de
um suposto personagem que seria a figura acima de qualquer suspeita que estaria
por trás da organização criminosa. As obras de ficção sempre recorrem a esse
artifício, por exemplo, em A regra do jogo, o personagem de José de Abreu, um rico
empresário, era o Pai, que comandava a facção.
No entanto, a vida superou em muito a ficção. Com três ex-governadores presos, o Rio tem que atualizar a expressão “peixe grande”. O que temos é um
“cardume enorme”.
Sem querer defender Garotinho, mas acho que às vezes nos
perdemos em críticas preconceituosas. Aumentamos seus defeitos por achá-lo
cafona, histriônico e populista. A corte nunca perdoou o fato ter sido governada oito anos por uma "plebe" vinda do antigo Estado do Rio. Feita essa ressalva,
Garotinho faz de tudo para cair no ridículo e ser odiado.
Primeiro foi aquela greve de fome em que até hoje pairam suspeitas sobre a
autenticidade. Depois, o “ataque pré-cardíaco” que teve em uma das prisões
anteriores. Agora esta estranhíssima agressão que diz ter sofrido em Benfica. A
Polícia afirma ser uma armação. Ah, Garotinho, nem pra mudar o repertório. Essa
história de se fazer de vítima não está colando.
Pois é, ter jogado bola com Marcinho VP era uma prova de que vivi "perigosamente' na
adolescência. Diante da patente de quem está em Benfica, eu corri mais
perigos na vida adulta.
Marcinho, mais velho do que eu um ano, foi morto em 2003 dentro da prisão. Ele era um amador, os bandidos profissionais andavam de
helicóptero, compravam gado, joias e comandavam tudo sentadinhos nas cadeiras
do poder.
Muito bom texto, Creso. Um abraço!
ResponderExcluirExcelente!
ResponderExcluirParabéns pela história real e pelo Blog.
ResponderExcluirTalvez uma das diferenças seja a dimensão do impacto, um marginal comum gera uma comoção pontual, tão pontual quanto um acidente. Esses marginais do "colarinho Branco" agem com drogas pesadas, causam impactos lentos, gradativo, duradouros e dilacerantes.
ResponderExcluirParabéns pelo texto.