segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

A ponta na sapatilha da bailarina







Minha filha botou “ponta” na sapatilha. Para quem não está habituado ao universo das bailarinas, “botar ponta” é um ritual de passagem. O calçado apropriado para a dança vem com uma ponta dura que garante estabilidade nos passos de balé. Ela fez 12 anos e desde os 10 o assunto é recorrente nas mesas de almoço e jantar: “quando eu fizer 12 anos, vou botar ponta”. 

Eu e a mãe fomos um pouco reticentes no princípio. Os pés das bailarinas são fortes e fundamentais, mas há um preconceito com a “feiura” que os seguidos exercícios de equilibro, destreza e força provocam na anatomia deles. 

Nossa bailarina é obstinada. E finalmente chegou o grande dia. A professora de balé levou as quatro novas sacerdotisas para experimentar a sapatilha e a almejada ponta. 

Descobri nas conversas, que antes das inovações tecnológicas, amassavam-se sacolas de supermercado e colocavam um esparadrapo para fazer a ponteira da sapatilha. Além disso, aprendi que as bailarinas devem andar com um kit de agulha e linha para costurar e descosturar as sapatilhas de acordo com as necessidades. 

As meninas, a professora, as mães e o pai presentes estavam ansiosos. Todas as provas de sapatilha foram devidamente registradas em fotos e vídeos. A professora quase chorava e zelosa, ajudava as meninas a colocar a sapatilha, amarrar, além de dar as instruções de uso. 

Depois do carnaval, o ano de 2018 começa animado em minha casa. Uma bailarina de ponta e um mancebo no Ensino Médio. Desafiador pensar que ainda há muito a caminhar e que os dois já estão ensaiando passos autônomos. 

Os amigos agora são deles, as histórias, eles começam a construir sozinhos. Ainda temos a ilusão do controle, no entanto, está cada vez mais ilusão e menos controle. É bom ser assim, apesar de não ser fácil.

A paternidade tem vários estágios. Meus queridos amigos Eduardo Christiane, por exemplo, estão no momento de expectativa e surpresa. Acabam de compartilhar com os amigos que as configurações da família foram atualizadas (para usar termos deles). E lá vão os dois montar quarto, enjoar, planejar e se preparar, pois haverá alteração nas configurações de sono também. 

Eles vão aprender que nunca mais se dorme da mesma forma e isso é adorável e angustiante. Filhos ampliam nossa capacidade de amar. Geralmente nos fazem mais compreensivos, porém, mais medrosos. 

Efeito colateral da explosão de carinho que sentimos ao descobrir a gravidez, que se amplia ao ver a ultrassonografia, que se renova a cada chute do bebê na barriga da mãe e se completa pelo jorro de lágrimas ao pegar a cria no colo pela primeira vez. 

E esse colo que a gente quer eterno, com o passar do tempo fica menos físico e mais emocional. O colo vira metáfora, mas o amor é bem real.

E o começo vem de varias formas, em vários tempos, na primeira ultrassonografia, na primeira ponta no pé da bailarina, no primeiro neto. Há sempre um primeiro dia. 

Que a gente ria muito, dance muito e chore mais de alegria do que de tristeza. Curtir a vida é transformar o trivial em emocionante,  entender o ritmo da caminhada e o equilíbrio da bailarina. 


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