quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Os esqueletos no armário da Beija-Flor e da Tuiuti





O Brasil não é para principiantes. Peço perdão a todos por começar o texto de hoje com esta frase batida, mas ela se faz necessária para falar do resultado do carnaval do Rio de Janeiro. 

A Beija-Flor levou à Avenida Marquês de Sapucaí um libelo contra a corrupção. Fez um desfile que provocou uma catarse nas arquibancadas. Arrastando a multidão ao fim da apresentação , num fenômeno parecido com o ocorrido com a Mangueira em 1984, no primeiro carnaval do sambódromo. 

Estava tudo lá, a corrupção no prédio da Petrobras, os traficantes armados levando terror aos cidadãos, a agonia dos policiais mortos e as crianças tendo a infância roubada, atingidas por balas perdidas dentro da sala de aula, ou impedidas de ir à escola  pela violência. 

Um carnaval histórico. No entanto, uma das primeiras mensagens que recebi no WhatsApp depois do título da escola foi de um amigo que fazia o alerta. A agremiação que cantou contra a corrupção tem como patrono um bicheiro que há muito tempo frequenta as páginas policiais. 

Esse fato invalida o protesto da Beija-Flor? Cada um deve fazer uma análise de consciência. Os pragmáticos dirão que sem os contraventores não haveria carnaval. Pois é, aqui se mistura chiclete com banana para melhorar a batucada. Também se mistura poder público com dinheiro obscuro para o mesmo fim. Quem olha de fora não entende, mas o carnaval é um produto tipicamente brasileiro no mau sentido.

Os contraventores submergiram um pouco, No entanto, o próprio desfile de da Beija-Flor pode responder o motivo do reaparecimento: O que os bicheiros fizeram no estado nas últimas décadas foi tão pernicioso para a vida do Rio quanto a galera da “farra dos guardanapos” ? 

Tenho a impressão que são duas faces da mesma tragédia. No entanto, os contraventores estão soltos e a “República Cabralina” paga uma temporada na cadeia. Opa! Ia me esquecendo do Sérgio Côrtes e da Adriana Anselmo, por exemplo. Vou reformular: alguns integrantes da quadrilha do Cabral estão presos. 

Mas questionar a contravenção pode ser incômodo. Os bicheiros circulam nas grandes rodas. Roberto Carlos e Boni, por exemplo, foram homenageados pela escola de Nilópolis. Não pairam dúvidas sobre a reputação dos dois, é bom que se ressalte. 

A Beija-Flor não é propriamente uma escola contra o status quo. À época, a agremiação se definiu como favorável à ditadura. 

O mundo é um caleidoscópio e novas imagens se formam a cada segundo. A Paraíso do Tuiuti ganhou merecidos aplausos pelo excelente desfile levado à Sapucaí. No entanto, depois do vice-campeonato, vi o protesto da filha da jornalista Liz Carioca nas redes sociais. Lembrei a tragédia do ano passado, quando o carro alegórico da Tuiuti atropelou 20 pessoas. Liz morreu e a filha disse que a escola deu pouca assistência às vítimas. A Tuiuti só desfilou no Grupo Especial por causa da horrorosa virada de mesa ocorrida ano passado.  Essa lembrança esfriou meu ânimo com o resultado da pequena agremiação.

O resultado do carnaval do Rio levanta a velha discussão sobre os meios utilizados para chegar a um fim, ou ainda, a separação entre obra e autor. As duas primeiras colocadas levaram à Avenida críticas sociais impactantes e disseram coisas que deveriam ser ditas. A questão é que as duas têm esqueletos no armário...

O Brasil não é para principiantes.

****

Eu estava preparando uma brincadeira sobre a sorte que o prefeito Marcelo Crivella deu de não estar na cidade quando desabou o toró da madrugada. No entanto, ao acordar, vi que houve mortos. Não há motivos para piadas. O Rio está abandonado e o nosso prefeito brincando de youtuber na Europa, tentando justificar o injustificável: sua ausência.

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  2. Não li todos os seus textos (por falta de tempo ou por não saber gerenciá-lo), mas li vários e este é um dos mais tocantes. Eu costumo falar dos "sambistas de duas semanas" que são os que acham que o samba sósó exis no período do reinado de Momo. Quase ninguém se lembra da tragédia ocasionada pela Tuiuti ano passado e muito menos da "virada de mesa" para salvar outra escola e que salvou a Tuiuti junto... Agora esta escola virou a queridinha de gregos e troianos...
    A regra nem sempre é clara...

    ResponderExcluir