terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Uma tarde no salão de cabeleireiro






Sei que em pleno século XXI o que vou revelar agora pode resultar em bullying, mas vamos lá. Faço os pés no salão. Minha mulher fez com que eu adquirisse este costume. 

Eu adoro ouvir as histórias do salão. Parece uma terapia em grupo. É clichê, mas acho que o cheiro das tinturas de cabelo, a acetona e outros produtos funcionam como soro da verdade. 

Engraçado, parece que além de abrir as portas da sinceridade, fecha as do constrangimento. As coisas contadas naquele divã disfarçado de cadeira para tratamento capilar são impressionantes. 

Certa vez ouvi da mesma cliente duas histórias. Enquanto retocava a cor loira de suas madeixas, ela mostrou uma mensagem de WhatsApp da nora: “você acredita que meu filho largou a mulher para ficar com esta moça do trabalho”. Ela continuou: “foi uma mistura de tesão e de paixão”. A cabeleireira contrapôs: “mas não é tudo a mesma coisa?”

Aquela discussão me intrigou. Paixão e tesão são diferentes? Não tinha pensado nisso ainda. Talvez a cliente tenha separado desejo sexual de paixão. Em meados do século XIX, tesão deixou de ser sinônimo de tensão e passou a significar a disposição do homem para o sexo. A paixão é mais romântica, existindo até o termo platônico, para aquela que se opõe à paixão física. Em nossos tempos paixão e tesão tornaram-se quase sinônimos. 

Depois de fazer esta reflexão linguística, recorrendo ao dicionário, obviamente, voltei a prestar atenção na conversa da cliente e da cabeleireira: “eu coloquei meu marido para correr. Não tive medo. O relacionamento me fazia mal. Mesmo com filhos pequenos, terminei o casamento”, revelou a cliente.

Até aquele momento, evitara olhar a mulher. No entanto, a coragem dela aguçou minha curiosidade. Ela devia ter pouco mais de 60 anos. Fiz contas aproximadas. Se ela já tem filhos e netos, a separação ocorreu há pelo menos 30 anos. Ou seja, ela teve que enfrentar a barra de ser uma mulher separada com filhos pequenos na década de 80. Uma mulher corajosa, sem dúvida. Ela ainda completou: “não foi por falta de amor, foi porque me fazia mal e meus filhos sofriam”. 

No mesmo salão já soube da notícia falsa da morte de um mendigo querido no bairro, da rotatividade das empregadas de uma madame rica no bairro e da rotina de uma comunidade ocupada pela polícia.

No entanto, a disposição daquela mulher em interromper algo que lhe fazia mal, fez com que ela ganhasse um admirador. E o leviano exercício para matar o tempo, virou a base para um texto neste blog.

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