domingo, 28 de janeiro de 2018

Ainda é possível um programa como o de Haroldo de Andrade no rádio?






Um amigo me perguntou se ainda havia espaço no rádio atual para um programa como o de Haroldo de Andrade. Fiquei algum tempo ruminando para dar a resposta.

Para ter o programa, é necessário ter o apresentador. Recorro ao futebol para a primeira parte dos meus argumentos. A seleção de 70 se daria bem hoje em dia num futebol que prima pela força física, com uma velocidade estonteante e marcação implacável? Eu acho que sim. Aquele time tinha um talento acima da média. Com e a preparação física de hoje, seria um time adaptado aos nossos tempos.  Bem, as circunstâncias do universo fazem com que essa pergunta só possa ser respondida no campo teórico, mas mesmo assim, cabe pensar nas respostas. Olhar o passado é uma das formas de transformar o futuro. 

Haroldo de Andrade talvez tenha sido o apresentador de rádio que mais se aproximou do que hoje chamaríamos de “influenciador digital”. Seu programa foi um fórum de discussões pelo qual passaram juízes, advogados, jornalistas, artistas e malandros. Os temas tratados nos debates populares pautavam as discussões nos anos 70, 80 e 90 no Rio de Janeiro. 

Antônio Carlos, José Carlos Araujo e Washington Rodrigues são da geração do Haroldo e continuam em plena atividade. Então, talvez isso responda uma parte da pergunta do meu amigo. Haroldo era um talento único, logo, “jogaria” em nossos dias. 

E o formato sobrevive? Se você olhar direitinho para o Encontro com Fátima Bernardes, vai entender que é possível. A atração, com adaptações televisivas, tem na essência o espírito do Programa Haroldo de Andrade. 

A grande questão de um programa como o de Haroldo de Andrade é o custo. Para levar a atração ao ar havia um exército de produtores, redatores e repórteres exclusivos. A grana para pagar tudo isso foi para a televisão. Hoje em dia, pela realidade financeira das rádios, o produtor é redator, prepara as matérias e auxilia o comunicador no estúdio. 

Temos uma geração de profissionais mais versáteis, o que de forma alguma é ruim, mas a falta de braços prejudica capacidade de produção. 

Outro aspecto a ser ressaltado atualmente é como esses programas vão chegar ao público. É inviável pensar rádio hoje em dia sem levar em conta a plataforma de distribuição. O rádio é imediatista por excelência. Quando um caminhão derruba uma passarela na Avenida Brasil, ou um helicóptero cai em Recife, o público mais antigo sintoniza nas emissoras. O problema é que os mais jovens, (estou falando de pessoas de 40 anos) já procuram as plataformas digitais, como sites. Facebook, Instagram e WhatsApp. 

Logo, o caminho para a sobrevivência dessas emissoras é investir na pegada digital, o que a maioria já faz sem estratégia, diga-se de passagem. Uma nova oportunidade de negócio talvez fosse um grande “Netflix radiofônico”.  Um super distribuidor de programas por demanda. 

A produção de programas de rádio é menos trabalhosa do que a de um programa de TV. Um programa de rádio fica “transmissível” com muito menos recursos do que uma atração visual. 

Qual seria o melhor alicerce para esse renascimento do rádio? Se eu tivesse a resposta exata, venderia por uma boa grana. No entanto, acho que esse movimento só seria possível se um nome gigante, tipo o velho Haroldo, se propusesse a fazer a migração para esse “Netflix radiofônico”. 

O que fazer com os canais de AM e FM? Abrir espaço para vários núcleos de produção, responsáveis pelo conteúdo e pela comercialização. As emissoras estão perdendo o fôlego. Deveriam ceder seus horários e abrir esse espaço. Poderiam ter portais e abrigar essa produção feita pelos parceiros associados. É bom que se diga que algumas já fazem, alugando horários para igrejas, entidades filantrópicas e ONGs. O problema é que essa venda de horários precisa ser regulamentada e criteriosa. As emissoras  carecem da consciência de que é necessário deixar orgânica a relação do que vai ao ar com o que está na WEB.  

Há uma frase que sempre se diz a respeito do veículo: rádio é hábito. No entanto, usamos a sentença pelo lado conservador. Talvez a melhor frase seja, rádio cria hábitos. Mas para criar esses hábitos deve chegar às novas gerações.

Nesse exercício de futurologia, com muitas perguntas e poucas respostas, imagino o grande Haroldo de Andrade na atualidade.

Ele seria hoje um influenciador digital, com milhões de seguidores. Locaria espaço numa emissora com sua equipe, comercializaria o programa, estaria neste “Netflix radiofônico”, faria um Podcast de seus papos com artistas, outro com os debates e um terceiro com seu “Bom dia”. Talvez trocasse a trilha sonora do quadro. Em vez da versão de Ray Conniff do Concerto Nº 1 para Piano e Orquestra, de Tchaikovsky, tocasse uma canção do Olodum. Vai saber.


2 comentários:

  1. Seu comentário foi muito legal porque nos leva a imaginar o futuro de um veículo que se perdeu artisticamente nas mãos de quem não sabe fazê-lo. Os que sabem não tem autonomia e nem grana pra bancar as produções e os administradores só pensam em lucro. Talvez as produções independentes solucionem o problema desde que apareçam nomes interessantes e queridos do ouvintes. Sim o público migrou? Claro, mas há os que mesmo com idade um pouco mais avançada que gostam e precisam de conteúdos e companhia. O Rádio deve ser feito para todas as idades e todos os gostos e sob o comando de alguém que tem intima relação histórica com o veículo. Sua reflexão foi ótima Creso.

    ResponderExcluir