segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Negão do WhatsApp corporativo






A sociedade de vigilância fez um strike na filial brasileira da empresa Salesforce. Segue um pequeno resumo para colocar todos na mesma página. O escritório tupiniquim da multinacional promoveu uma festa de fim de ano. Até aí, nada demais. No entanto, o departamento de Recursos Humanos teve a ideia de promover um concurso de fantasia. 

Neste momento, abriu-se a Caixa de Pandora da criatividade. Um dos funcionários se fantasiou de Negão do WhatsApp. Colocou uma toalha no ombro e uma prótese imitando a desproporção anatômica do personagem em questão. 

Uma denúncia anônima chegou à matriz americana da Salesforce. A versão que circula na grande rede dá conta que a matriz determinou a demissão do funcionário. O diretor comercial achou a punição exagerada e tentou segurar o rapaz no cargo, dizendo que no Brasil as pessoas são mais liberais. 

Os americanos então demitiram o diretor comercial. O presidente da filial brasileira tentou segurar o diretor comercial e rodou também. 

A história seria cômica, se não fosse trágica. Vamos a algumas considerações: a debochadamente chamada “festa da firma” é um evento de trabalho. Não há como despir esse caráter do encontro. 

Minha querida amiga jornalista Ermelinda Rita é uma professora em vários campos da vida. Um ensinamento que acho genial é sua disciplina nesses convescotes. Ermelinda fica duas horas nas festas. Segundo ela, é tempo suficiente para não se tornar nem vítima, nem cúmplice dos exageros cometidos pelos colegas. 

Mas nem todos conseguem seguir os conselhos da Ermê. Então, devemos lembrar, por exemplo, que os chefes continuam chefes na segunda-feira. Logo, não podemos perder o prumo nesta relação. 

Nossos radares devem estar atentos a um fato primordial na sociedade da vigilância: as redes sociais são instrumento de comunicação. O que você expõe ali é visto por milhares de pessoas, nos cantos mais recônditos do planeta e pode ser usado a seu favor ou contra. Opiniões, erros de português e fotos comprometedoras formam um “prontuário” digital. 

Já vi pessoas que se aborreceram bastante ou foram até demitidas por coisas escritas em seus perfis nas redes sociais. Vivemos na sociedade 24/7, descrita pelo escritor Jonathan Crary, no livro de mesmo nome. É uma sociedade insone, em que a noção de tempo é diferente da real; Algo escrito há anos pode voltar à tona e atormentar o autor. Estamos num momento em que não há muito espaço para arrependimentos, pedidos de desculpa ou mal entendidos.

Espanta-me funcionários que trabalham numa empresa especializada em marketing, como a Salesforce, não enxergarem o nível de nitroglicerina existente numa foto que simula a exibição de um falo gigante. 

“Ah, mas é uma bobagem”. Na verdade, a bobagem depende dos olhos de quem vê. A Salesforce foi fundada numa sociedade hipocritamente puritana, capaz de eleger Donald Trump presidente. Logo, a foto é um convite à encrenca. 

O mundo adulto é inclemente com a inocência e o funcionário foi inocente demais. Vale ressaltar um aspecto nesta história: os dois gestores que tentaram segurar o funcionário foram corajosos. No mundo corporativo, vê-se muito o exemplo oposto ao deles.

Infelizmente na sociedade da vigilância, temos que arcar com as consequências de todos nossos atos, vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana. Se no livro O Pequeno Príncipe a Raposa dizia: “és responsável por aquilo que cativas”, nossos tempos transformaram a frase para “és responsável por aquilo que publicas”. 

Então a jeito  é seguir o aviso de Dona Ivone Lara, pisar nesse chão devagarinho, e avaliar sempre: o que eu ganho com essa foto, essa frase ou esse post?

Em tempo. Apesar de toda a polêmica, a fantasia do Negão do WhatsApp ficou apenas com o quarto lugar no concurso.


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