terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Um brinde ao Zizinho e às 40 mil visualizações




Era 1993. Meu irmão David tocava em algum bar na cidade de Niterói, mas confesso que sumiu dos meus registros o nome do local. Lembro, David dividia o palco com outro artista e o cantor Altay Veloso deu uma canja. O maior sucesso de Altay é “Baby eu já não sei viver sem você”.

Já estive em centenas de shows e assisti várias canjas. Trabalhei com música durante 4 anos. Guardo esse encontro por outra razão: Tomás Soares da Silva. Você não está associando o nome à pessoa? O senhor de 72 anos que estava na minha frente ficou conhecido mundialmente como Zizinho, camisa 8 da seleção brasileira vice-campeã mundial em 1950 e considerado o maior ídolo do Flamengo até o surgimento do Zico. Há mais um cartão de apresentação: ele é o grande ídolo de Pelé.

Pois bem, Zizinho sentado na cadeira em frente à minha contava tantas histórias que eu deveria ter anotado, gravado, sei lá, registrado em mais algum lugar que não fosse apenas minha memória. No entanto, estávamos em 1993 e eu não tinha celular, logo, esta será uma falha reprodução do que eu me lembrar.

O primeiro aspecto: Zizinho me derrubou. O craque se manteve inabalável com seu copo de whisky, enquanto eu deixei minha dignidade de lado por volta das 5 da manhã bebendo cerveja.

Mestre Ziza se lembrava de tudo. Ele era Flamengo e tinha mágoa da forma como deixou o time de coração. O rubro-negro permitiu a saída do seu maior ídolo para o rival Bangu. Zizinho me disse que sua mãe pediu que ele tivesse pena dos meninos do Flamengo. Zizinho foi um filho desobediente. O Bangu deu uma surra no Flamengo no primeiro jogo de Zizinho. Ele fez apenas um gol, mas o Bangu meteu 6 a 0 no rubro-negro.

Ele me contou da vez que quebrou a perna, no Carioca de 46, no meio de um jogo. Amarrou a perna com ataduras para terminar a partida e isso fez com que sua recuperação demorasse um pouco mais.

Até hoje tento me lembrar de algum detalhe a mais sobre esse encontro. Ainda bem que tenho meu irmão David como testemunha. Lógico que Zizinho me falou sobre a final de 50. Ele colocava a culpa na pressão que os dirigentes fizeram antes do jogo. Os políticos “papagaios de pirata” que queriam sair ao lado dos campeões mundiais. “Não iria dar certo, eu virei para um dos caras e falei - tem um jogo ainda – A gente se desconcentrou”.
O craque me contou que após o jogo, à noite, no bairro boêmio da Lapa, encontrou o capitão uruguaio, Obdulio Varela. Zizinho me disse que o adversário o consolou e os dois beberam juntos.

Quantas vezes você conseguiu tomar uma cerveja com alguém que tem ideias diferentes das suas? Quantas amizades você terminou por causa de política, futebol ou religião? Há quase 70 anos, Zizinho e Obdulio Varela deram aula de tolerância, fidalguia e cavalheirismo. Decidiram uma copa do mundo de tarde e à noite se encontraram e beberam juntos!

Vicente Feolla não quis levar Zizinho para o mundial de 1958. Houve um clamor popular, mestre Ziza estava jogando “o fino” (para usar uma expressão da época). Levara o São Paulo ao campeonato paulista de 1957. No entanto, assim como Romário em 2002, não foi levado. Feolla teve a biografia salva por Pelé, Garrincha, Didi e Nilton Santos. Já pensou se deixa Zizinho no Brasil e não volta campeão?

A noite foi chegando ao fim. Da mesa do bar já era possível ver os primeiros raios de sol. Zizinho levantou-se da mesa com a dignidade dos que tem a linhagem nobre na vida. Isso nada tem a ver com bens materiais ou privilégios classistas. A nobreza vem da certeza de ter feito com dignidade e amor seu caminho. O respeito por um adversário, que em hipótese alguma, transformou em inimigo.

E neste texto, que comemora 40 mil visualizações do Blog do Creso, faço uma homenagem ao mestre Ziza. Um exemplo de dedicação, ao amarrar as pernas quebradas e continuar no jogo. De força para recomeçar, ao sair do clube em que era ídolo e se aventurar em outro menos conhecido. E de tolerância, ao tomar um trago com quem o fez sofrer.


Zizinho, que eu tenha sua resiliência. Às vezes o Uruguai faz o gol da vitória, mas a vida continua. Além do que, sempre tem uma mesa de bar para transformar as lágrimas de ontem em memória e parte do caminho. 

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