domingo, 7 de janeiro de 2018

O centésimo filho do Creso







Tenho que engravidar todo dia. Fiz essa proposta a mim mesmo em 30 de setembro. E desde então é uma série de gravidezes e partos. Aos olhos dos outros, o fruto da concepção pode não sair bonito. Aos meus, serão filhos queridos. 

Tenho que me sentir inseminado pelo assunto que vou escrever. Escrever é um ato solitário, sim, e envolve muitos processos internos. A aprovação do tema mentalmente, por exemplo. Depois o começar. Ah, o começo baliza a vida que aquela escrita terá. É como se fosse o coroamento desse parto. 

E nesse jogo parturiente/literato, o texto sai num trabalho continuo. Cada linha é como se fosse uma parte do bebê vindo ao mundo diretamente das entranhas da mãe. 

Falo de nascimento porque é emblemático que eu tenha chegado ao centésimo texto do blog num domingo. Vou explicar, nasci num domingo, há 17.024 dias, ou 2.432 semanas. Logo, a cada domingo, completo mais uma semana na jornada sob o sol.

Não tenho lugar de fala de mãe, corro o risco ser jogado do alto de um penhasco por ousar fazer tamanha comparação. No entanto, sinto o desafio da escrita com uma incerteza que envolve a trama de um nascimento. 

Não à toa, aborta-se a missão, quando o texto se desenvolve de uma forma que não chegará a um bom termo. Vejo nessa opção algo que a gravidez literata poderia emprestar à gravidez literal: o direito de interromper o processo. Ok, é mais um devaneio do escriba inebriado, em busca de metáforas que justifiquem sua loucura. 

Das inúmeras vantagens que a gravidez literata proporciona está não precisar ter vergonha de gostar mais de um filho do que de outro. Pronto, comecei a mudar de ideia em relação ao primeiro parágrafo. Geminiano, sabe como é. 

Em 100 textos publicados por este blog desde a opção pela gravidez diária, há filhos mais bonitos, há outros mais honestos, alguns são levianos, existem os egocêntricos e por aí vai, numa gama de características que o escriba/mãe não consegue classificar. 

Nesse mundo em que as barreiras entre sexo e funções estão borradas, tomo como ato libertário dizer que me sinto mãe do que escrevo aqui. Pelo simples fato de passar por um trabalho de parto diariamente.

Escrever dá prazer, mas às vezes dói. Os “filhos” desta escrita nos enchem de orgulho, mas também podem nos decepcionar. 

De qualquer forma, são nossos “filhos” trazem características tão intrínsecas, que não somos capazes de esconder ou explicar. 


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