sábado, 28 de abril de 2018

A Bahia Branca da novela da Globo

Fui pela primeira vez a Salvador em fevereiro. Voltei de lá impressionado com a beleza da cidade, via os nomes dos bairros e cantarolava musicas o tempo inteiro. Como fiquei perto do Farol da Barra cantei Pepeu Gomes compulsivamente (“do Farol da Barra ao Jardim de Alah, eu também quero beijar”).

A Bahia no geral e Salvador em particular  são lugares orgulhosamente negros. A cidade, como muitas outras do mundo, é de todas as cores, mas a herança africana está em tudo e é majoritária . 

Nesta sexta, um amigo que foi meu aluno e é um ator talentoso colocou uma frase no Facebook que chamou minha atenção e em princípio me intrigou: “só para avisar, segundo o IBGE, 80% da população baiana é negra”. 

Entendi a mensagem um pouco depois. A próxima novela das 21h da TV Globo será ambientada no segundo estado mais negro do Brasil (segundo o IBGE, em números percentuais, o Pará tem mais negros). Pela escalação do elenco já se vê que entre os protagonistas não há negros. Na reportagem do  Vídeo Show sobre o lançamento da novela, a única negra de destaque é a atriz Thalita Carauta. 

Essa foi a mensagem passada por meu amigo, que é ator e negro. Nem quando a novela é passada num estado significativamente negro, os protagonistas são pretos. 

Em termos econômicos, a diferença entre negros e brancos é cruel na Bahia. Segundo números do IBGE, a população preta e parda recebe cerca de 40% menos do que a branca. Outra estatística reveladora é a de que 17% dos mais  ricos baianos são negros, enquanto, entre os mais pobres, eles são 75%. 

A mesma TV Globo que dá destaque a Maria Julia Coutinho como “garota do tempo” no JN, que tem na série Mister Brau o protagonismo de Lázaro Ramos e Tais Araujo, leva ao ar um novela passada na Bahia sem protagonistas negros. O mUndo não é para principiantes. 

E olha que em 2018 tem a passagem pelos 50 anos da morte de Martin Luther King, o lançamento do Filme Pantera Negra e os 130 anos da assinatura da Lei Áurea, para citar alguns exemplos de símbolos da reafirmação do papel dos negros na sociedade. 

Está deflagrado e reafirmado um problema de representatividade. A realidade construída pela novela é de uma Bahia branca. E a Globo, sempre tão ciosa de que “o Brasil se veja” em seus programas e jornais, escorrega neste ponto.   

Vão me chamar de chato. Vão dizer que não tenho “lugar de fala” para reclamar da falta de negros protagonistas na novela da Globo, mas paciência. Não consigo ver essa questão e não me incomodar. Como diz minha querida amiga Carla Rodrigues, eu adoro colocar meu dedo na tomada, ou seja arrumar alguma encrenca. 

A questão fundamental é que o Brasil não “se vê” na telinha. No passado tivemos Sérgio Cardoso pintando o rosto de preto para fazer “A  Cabana do Pai Tomás”, hoje temos protagonistas negros deslocados do horário nobre, como no caso de Mister Brau, que entra no ar depois das 22h30m.  A série de Tais e Lázaro é importante, mas ainda é pouco. 


O Segundo Sol vai ser uma novela baiana sem negros protagonistas. O que parece evidenciar que as mídias brasileiras continuam a pintar o rosto para representar os negros, mas agora de maneira mais sutil do que no fim da década de 1960. 

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