sábado, 7 de abril de 2018

O discurso de Lula

“Eles não vão me matar, porque eu não sou mais uma pessoa. Eu sou uma ideia na cabeça de vocês”. Esta frase de Lula  me remeteu a outra, escrita 64 anos atrás: “Saio da vida para entrar na história” presente na carta-testamento Getulio Vargas. 

Nesses tempos de imediatismo e simultaneidade que as novas tecnologias da informação proporcionam, o ex-presidente usou 55 minutos para o seu ato final antes de cumprir a pena na penitenciária de Curitiba

Chamou atenção a união de vários integrantes da esquerda, como Guilherme Boulos, pré-candidato à Presidência pelo PSOL, e de Manuela D’Avila, pré-candidato do PC do B. 

Fernando Haddad, provável plano B do PT para a corrida presidencial, estava no palanque armado em frente do Sindicato dos Metalúrgicos, no entanto, não recebeu do líder petista um tratamento especial por conta disso, sendo apenas citado como dezenas de outros líderes políticos presentes. Talvez a atitude de Lula espelhe a indefinição do PT quanto ao futuro com Lula fora do páreo. 

Diante de toda complexidade do processo, Sérgio Moro deveria ter sido mais sábio e menos midiático. No despacho da ordem de prisão, ele faz inúmeras ressalvas e estabelece uma série de condições especiais para o encarceramento de Lula. Isso já mostra que ele sabia o tamanho do novo inquilino da penitenciária em Curitiba. Logo, antes de anunciar a prisão, deveria ter negociado para anunciar a medida com a garantia de que ela seria atendida imediatamente. No entanto, ele novamente foi para o confronto. Como já havia feito ao liberar a gravação de Dilma, mesmo depois do grampo estar suspenso. 

Acuar Lula não é bom negócio e o juiz paranaense tentou fazê-lo. A decisão judicial deu a Lula oportunidade de incrementar a narrativa de mártir. Se você pensar pragmaticamente, Lula está preso e isso é um dano enorme à imagem dele, mas a vida não é apenas pragmática. Há mais coisas envolvidas. Sérgio Moro talvez tenha caído numa armadilha. Deu um prazo para que Lula se entregasse e o ex-presidente simplesmente ignorou. E depois se saiu como o estadista que decidiu se entregar porque respeita a lei. 

Lula foi para o confronto e deu nomes a muitos bois. Sérgio Moro e a TV Globo são  os inimigos da vez. O macacão e a bolsa de couro não estavam aparentes na roupa, mas permeavam a voz do líder petista. 

Varias vezes durante os 55 minutos de discurso, ele fez menção ao fato de estar velho. Talvez, por isso, a  frase falando de morte. Ele teve a oportunidade de defender seu legado e dar sua versão sobre o inquérito que o condenou. 

Lula alfinetou o Judiciário e o Ministério Público, dizendo que os integrantes são parte da elite do país e por isso não gostam dele. 

No discurso, sobrou para o STF. Lula comparou a excessiva exposição do tribunal brasileiro com a postura da extrema corte americana, onde as pessoas conhecem os resultados sem que os juízes deem indícios prévios de como serão seus votos. 

O discurso de Lula foi emocionante para quem acredita nele e peça de ficção para os que dele não gostam. É só dar uma olhada nas redes sociais, para constatar o que escrevo. 

Lula vai preso, mas dá uma injeção de ânimo muito grande nos militantes. Não é bom que os adversários acreditem que o discurso é uma despedida, um espécie de discurso-testamento. A “jararaca” (como ele mesmo se definiu) não está morta. A volta do velho Lula, pelo menos no discurso, une a esquerda. Lula conseguiu que sua “rendição” fosse uma forma de continuar lutando. 

Gostaria de citar uma rápida  conversa que tive com um taxista um dia desses. O trânsito estava parado e ele se voltou para mim e mandou: “o trânsito está ruim, não é doutor?” Eu apenas balancei a cabeça. Ele continuou: “pois é, a culpa é do Lula. Pobre passou a comprar carro, ter computador, ar condicionado e ir pra faculdade”. Ele deu uma piscada marota para mim. 

Lula falou a mesma coisa durante seu discurso. Mesmo fora da cédula, Lula será um importante ator nessas eleições. Sua ligação com as camadas populares é umbilical. Ele sempre será associado ao tempo de bonança. Por mais que se tente relativizar isso, essa memória afetiva dificilmente vai ser retirada da lembrança do povo ao rememorar de sua figura. . 

Lula foi derrotado em três eleições presidenciais. Muitos achavam que ele acabaria. Dezesseis anos depois de chegar ao poder e com 4 vitórias eleitorais (duas como candidato e duas como padrinho) tentam decretar seu fim. Não é bom duvidar do petista e sua capacidade de articulação. Seu discurso foi mesmo uma carta-testamento, ou um hino de guerra para as próximas batalhas? 


Por falar em batalhas, hoje é Dia do Jornalista e lamento muito as agressões sofridas por jornalistas na cobertura da prisão de Lula. Nunca é demais lembrar que jornalistas são o esteio da democracia. 

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